Uma menina curiosa, chamada Alice, vê uma toca de coelho e decide espreitar o que há lá para dentro, cai e é transportada para um lugar fantástico. Essa foi a história escrita por Lewis Carroll e publicada na Inglaterra de 1865 que, entretato, já deu origem a milhentas versões, em livros, em filmes, com atores ou com animação, em espetáculos, no gelo ou com fantoches, para pequeninos ou para crescidos. Quantas "Alices" já vimos? Ora é precisamente por aí que começa Alice no País das Maravilhas, o espetáculo encenado por Ricardo Neves-Neves e Maria João Luís que se estreia esta quinta-feira no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa: pela enorme quantidade de "Alices" que povoam o nosso imaginário..O que os fez, então, pegar num texto que é "tão presente"? Talvez a também enorme quantidade de "Alices" que estão no conto original. Uma diversidade e uma riqueza que parecem inesgotáveis. "É um texto bastante conhecido e intemporal", explica Maria João, que anda há anos a adiar este sonho e que, depois de em 2015 ter feito o Conto de Natal de Dickenscom Ricardo Neves-Neves, percebeu que tinha encontrado o parceiro ideal para esta aventura. Já Ricardo garante que ao relêr o texto agora se espantou com a "quantidade de coisas que não fazem parte do nosso universo coletivo sobre a Alice, um conjunto de personagens, situações e diálogos deliciosos" que têm ficado esquecidos e que ele ficou com vontade de usar nesta nova versão, muitos deles vindos de outra obra de Carroll, Alice no Outro Lado do Espelho.."O livro tem no mínimo três camadas de leitura", explica Ricardo Neves-Neves: "Uma primeira, fantasiosa, em que as personagens têm uma ligação entre si e essa é claramente aquela camada que tem uma interpretação mais direta, apela muito às crianças. Depois há um lado mais desafiante na leitura que é todo o lado simbólico das personagens, relacionado com a Inglaterra e a Europa do século XIX, por exemplo, e também com aquilo que vemos no nosso dia a dia. E, depois, há uma terceira leitura, que é aquela que nos entusiasma mais, que é a presença do surrealismo, do nonsense e do absurdo, toda a não ligação da palavra com o significado é uma zona de trabalho deliciosa, que a nós nos dá borboletas no estômago.".Não se esperem, no entanto, grandes interpretações semióticas, fiquem descansados. A Academia que trate disso. "Eu sei lá o que é que o homem [Lewis Carroll] estava a pensar por detrás daquilo tudo", diz a encenadora. "Podia até ter pensamentos ou relações pedófilas com as crianças ou com aquela rapariga em particular. Mas isso não está no texto, não nos interessa.".O que está no texto e lhe interessou bastante foi aquela menina aventureira destemina. "Parece-me o texto é fruto de uma época em que as mulheres começam a ter uma voz muito presente na sociedade, há uma certa libertação do pensamento feminino. Não é à toa que esta menina é pespineta, diz que não e responde aos outros, ela reage quando lhe chamam coisas", explica Maria João Luíz. "A nossa Alice é um bocadinho puxada a esse nível, trazemos esse lado mais destemido e corajoso. A opinião política precisa de uma coragem sempre. E essa coragem está nessa personagem.".Interessa-lhes toda aquela viagem louca, por mundos e palavras que podem ou não existir. Interessa-lhes o que podemos ver ali e o que podemos imaginar. Interessa-lhe o espelho - objeto que carrega em si tantos simbolismos e tantas metáforas que seria impossível ignorá-lo. Ali está ele, elemento central do cenário Ângela Rocha, porta de entrada para o País das Maravilhas, como diz Neves-Neves: "Estamos sempre entre o real e o surreal, a mente que me engana. Afinal o que é que nós vamos ver através do espelho?".Sonho ou realidade? Essa é uma pergunta que não vai ter resposta neste espetáculo. "Não quisemos dar a explicação deste sítio, não dizemos se é um delirio ou um sonho. Claro que entra isto na zona dos sonhos, mas não quisemos matar as personagens, porque assim que a Alice acorda aquela malta toda morre", explica Ricardo Neves-Neves. "Quem é esta Alice real quando não está a sonhar? Não quisemos falar disso. Quisemos dar possibilidade a estas personagens para viverem, porque seria pouco serem apenas um sonho.".Embora isso não esteja no espetáculo, Maria João Luís tem uma opinião formada: " Eu acredito que ela nunca chegou a adormecer, caiu dentro da sua cabeça. Passam-nos pela cabeça, a toda hora, pensamentos que não dá para verbalizar. Nós não passamos tanto tempo dentro da toca do coelho?". Alice no País das Maravilhas Adaptação de Ricardo Neves-Neves a partir de Lewis Carroll Encenação de Ricardo Neves-Neves e Maria João Luís Em palco estão uma orquestra e mais de uma dezena de atores, incluindo Beatriz Frazão como Alice, Maria João Luíz como Chapeleiro Louco e Pedro Lacerda como o Coelho Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa De 27 de dezembro a 6 de janeiro de quarta a sábado às 19.00, domingo às 16.00 Bilhetes: de 8 a 17 euros
Uma menina curiosa, chamada Alice, vê uma toca de coelho e decide espreitar o que há lá para dentro, cai e é transportada para um lugar fantástico. Essa foi a história escrita por Lewis Carroll e publicada na Inglaterra de 1865 que, entretato, já deu origem a milhentas versões, em livros, em filmes, com atores ou com animação, em espetáculos, no gelo ou com fantoches, para pequeninos ou para crescidos. Quantas "Alices" já vimos? Ora é precisamente por aí que começa Alice no País das Maravilhas, o espetáculo encenado por Ricardo Neves-Neves e Maria João Luís que se estreia esta quinta-feira no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa: pela enorme quantidade de "Alices" que povoam o nosso imaginário..O que os fez, então, pegar num texto que é "tão presente"? Talvez a também enorme quantidade de "Alices" que estão no conto original. Uma diversidade e uma riqueza que parecem inesgotáveis. "É um texto bastante conhecido e intemporal", explica Maria João, que anda há anos a adiar este sonho e que, depois de em 2015 ter feito o Conto de Natal de Dickenscom Ricardo Neves-Neves, percebeu que tinha encontrado o parceiro ideal para esta aventura. Já Ricardo garante que ao relêr o texto agora se espantou com a "quantidade de coisas que não fazem parte do nosso universo coletivo sobre a Alice, um conjunto de personagens, situações e diálogos deliciosos" que têm ficado esquecidos e que ele ficou com vontade de usar nesta nova versão, muitos deles vindos de outra obra de Carroll, Alice no Outro Lado do Espelho.."O livro tem no mínimo três camadas de leitura", explica Ricardo Neves-Neves: "Uma primeira, fantasiosa, em que as personagens têm uma ligação entre si e essa é claramente aquela camada que tem uma interpretação mais direta, apela muito às crianças. Depois há um lado mais desafiante na leitura que é todo o lado simbólico das personagens, relacionado com a Inglaterra e a Europa do século XIX, por exemplo, e também com aquilo que vemos no nosso dia a dia. E, depois, há uma terceira leitura, que é aquela que nos entusiasma mais, que é a presença do surrealismo, do nonsense e do absurdo, toda a não ligação da palavra com o significado é uma zona de trabalho deliciosa, que a nós nos dá borboletas no estômago.".Não se esperem, no entanto, grandes interpretações semióticas, fiquem descansados. A Academia que trate disso. "Eu sei lá o que é que o homem [Lewis Carroll] estava a pensar por detrás daquilo tudo", diz a encenadora. "Podia até ter pensamentos ou relações pedófilas com as crianças ou com aquela rapariga em particular. Mas isso não está no texto, não nos interessa.".O que está no texto e lhe interessou bastante foi aquela menina aventureira destemina. "Parece-me o texto é fruto de uma época em que as mulheres começam a ter uma voz muito presente na sociedade, há uma certa libertação do pensamento feminino. Não é à toa que esta menina é pespineta, diz que não e responde aos outros, ela reage quando lhe chamam coisas", explica Maria João Luíz. "A nossa Alice é um bocadinho puxada a esse nível, trazemos esse lado mais destemido e corajoso. A opinião política precisa de uma coragem sempre. E essa coragem está nessa personagem.".Interessa-lhes toda aquela viagem louca, por mundos e palavras que podem ou não existir. Interessa-lhes o que podemos ver ali e o que podemos imaginar. Interessa-lhe o espelho - objeto que carrega em si tantos simbolismos e tantas metáforas que seria impossível ignorá-lo. Ali está ele, elemento central do cenário Ângela Rocha, porta de entrada para o País das Maravilhas, como diz Neves-Neves: "Estamos sempre entre o real e o surreal, a mente que me engana. Afinal o que é que nós vamos ver através do espelho?".Sonho ou realidade? Essa é uma pergunta que não vai ter resposta neste espetáculo. "Não quisemos dar a explicação deste sítio, não dizemos se é um delirio ou um sonho. Claro que entra isto na zona dos sonhos, mas não quisemos matar as personagens, porque assim que a Alice acorda aquela malta toda morre", explica Ricardo Neves-Neves. "Quem é esta Alice real quando não está a sonhar? Não quisemos falar disso. Quisemos dar possibilidade a estas personagens para viverem, porque seria pouco serem apenas um sonho.".Embora isso não esteja no espetáculo, Maria João Luís tem uma opinião formada: " Eu acredito que ela nunca chegou a adormecer, caiu dentro da sua cabeça. Passam-nos pela cabeça, a toda hora, pensamentos que não dá para verbalizar. Nós não passamos tanto tempo dentro da toca do coelho?". Alice no País das Maravilhas Adaptação de Ricardo Neves-Neves a partir de Lewis Carroll Encenação de Ricardo Neves-Neves e Maria João Luís Em palco estão uma orquestra e mais de uma dezena de atores, incluindo Beatriz Frazão como Alice, Maria João Luíz como Chapeleiro Louco e Pedro Lacerda como o Coelho Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa De 27 de dezembro a 6 de janeiro de quarta a sábado às 19.00, domingo às 16.00 Bilhetes: de 8 a 17 euros