Na pista de "Salvator Mundi": o último Da Vinci está no iate de um príncipe saudita no Mediterrâneo?
Salvator Mundi, a polémica obra de Leonardo Da Vinci que se encontra em parte incerta desde que foi vendida num leilão em 2017 pelo valor recorde de 450 milhões de dólares (380 milhões de euros), poderá encontrar-se em pleno Mediterrâneo, a bordo do iate do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman (conhecido pelas iniciais MBS).
A notícia foi avançada esta segunda-feira pelo crítico, curador e colunista Kenny Scachter no site Artnet que, diz, recebeu a informação de duas fontes "com fortes ligações ao Médio Oriente". Estas, garante, revelaram o que aconteceu após a compra do quadro: "A obra foi levada a meio da noite no avião de MBS e colocada no seu iate, o Serene." De acordo com o artigo, o quadro irá ficar no iate até que os sauditas inaugurem o planeado centro cultural em Al-Ula.
Segundo o The Guardian, o iate, de 134 metros, estará neste momento ancorado em Port Said, no Egito. O jornal britânico explica ainda que isto é algo que os milionários fazem cada vez mais: levar as suas obras de arte para os iates, para assim as poderem mostrar aos convidados nas festas.
Óleo sobre tela, Salvator Mundi (1506-13) é uma pintura renascentista de Cristo que com a mão direita está a fazer o sinal da cruz enquanto na mão esquerda segura uma esfera de cristal, que representa o seu papel como "salvador do mundo". Terá sido pintado no atelier de Leonardo da Vinci (isso parece ser certo) mais ou menos na mesma altura da Mona Lisa, e as semelhanças técnicas são notórias.
O quadro terá sido pintado por encomenda do rei francês Luís XII. Depois, em meados do século XVII, integrou a coleção dos reis Carlos I e II de Inglaterra e passou para o Duque de Buckingham. Em 1763, o seu filho vendeu o Salvator Mundi num leilão juntamente com outras obras da Casa de Buckingham.
Julgava-se que o quadro tinha sido destruído quando, em 1900, foi comprado por um colecionador britânico, Francis Cook. Nessa altura, a tela já estava bastante danificada e a sua autoria foi atribuída a Bernardo Luini, um dos pupilos de Leonardo. Em 1958, a obra foi vendida em leilão pelos netos de Cook por apenas 45 libras, como se fosse de Giovanni Antonio Boltraffio, outro dos seguidores de Da Vinci.
Em 2005, o quadro foi adquirido por um consórcio de comerciantes de arte que pagou cerca de 10 mil euros por ela. Tinha sido sujeito a várias intervenções e encontrava-se em muito mau estado. Um restauro, supervisionado por Dianne Dwyer Modestini, na Universidade de Nova Iorque, permitiu redescobrir a pintura original. Foi então que o quadro foi atribuído a Leonardo da Vinci, autentificado pela National Gallery (que o expôs em 2012) e por especialistas de outros museus. Robert Simon, historiador de arte e consultor do Museu Metropolitan de Nova Iorque, garantiu na altura que este era o primeiro Da Vinci "descoberto" desde 1909.
É por este motivo que é geralmente chamado como o "último Da Vinci", ou seja, o último a ser-lhe atribuído.
Em 2013, o negociante de arte suíço Yves Bouvier comprou o quadro por 75 milhões dólares e vendeu-o depois ao milionário e colecionador russo Dmitry Rybolovlev por 127,5 milhões. No entanto, na sequência de um complicado processo de divórcio, Rybolovlev decidiu vender a obra.
A atribuição é, ainda hoje, polémica. Alguns especialistas defendem que sim, que foi pintado por Leonardo, outros defendem que foi executada por algum dos artistas do atelier de Leonardo da Vinci mas não pelo mestre. Ainda no início deste mês, num artigo publicado no The Guardian, Carmen Bambach, do Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque, afirmou que o quadro não foi pintado apelas pela mão de Leonardo.
O facto de o quadro não ser referido em nenhuma das fontes antigas, ao contrário do que acontece com as outras obras de Da Vinci, levanta muitas dúvidas. Além disso, o processo de restauro não está documentado na sua totalidade e a publicação de todos os documentos, anunciada várias vezes desde 2011, ainda não aconteceu.
Em 2017, o quadro foi comprado por um anónimo por 450 milhões de dólares (380 milhões de euros) num leilão da Christie's de Nova Iorque, tornando-se a obra mais cara de sempre (entre as transações tornadas públicas).
A identidade do comprador só seria conhecida mais tarde: a compra foi efetuada pelo príncipe saudita Bader bin Abdullah, mas este foi apenas um intermediário, na verdade o príncipe herdeiro da Casa Real saudita Mohammed Bin Salman é que estaria por trás da aquisição. Bader, que é um amigo próximo de Mohammed Bin Salman, foi pouco depois nomeado como o primeiro ministro da Cultura da história do reino árabe.
Depois disso, Mohammed Bin Salman terá "oferecido" a pintura a outro amigo, o príncipe Mohammed bin Zayed, príncipe herdeiro do Abu Dhabi, para que ele pudesse ser mostrado no novo Louvre Abu Dhabi. "Será o nosso presente para o mundo", afirmou na altura o representante cultural da região, Mohammed Khalifa al-Mubarak. "Esperamos em breve receber muitas pessoas, de perto e de longe, para testemunhar esta beleza."
Mas no início de setembro de 2018, o museu adiou a inauguração da exposição que estava prevista para o dia 18 desse mês. Desde então, nunca mais ninguém o viu nem houve mais notícias sobre o seu paradeiro. Deveria estar em depósito no museu do Louvre Abu Dhabi, algo que nunca foi confirmado pela instituição. Aparentemente, o quadro voltou para as mãos de Mohammed Bin Salman.
O Museu do Louvre, em Paris, terá pedido à Arábia Saudita para expor o Salvator Mundi na grande exposição de Leonardo da Vinci que vai ser inaugurada em outubro para celebrar os 500 anos da morte do artista. No entanto, parece que os especialistas do museu não estão convencidos de que a obra é mesmo de Da Vinci, explica Ben Lewis, autor do livro The Last Leonardo. A sua intenção seria exibi-lo como uma das obras do atelier de Da Vinci - o que iria fazer baixar o seu valor no mercado. Isso explicaria a recusa do príncipe saudita em emprestar a obra.