Esta é uma história que envolve negócios das arábias, dúvidas sobre a autoria de um quadro famoso e um desaparecimento misterioso. A obra de arte mais cara de sempre a ser vendida num leilão é alvo de grande debate sobre se foi ou não pintada por Leonardo da Vinci, mas de uma coisa não há qualquer dúvida: Salvator Mundi é uma das obras de arte mais importantes e reconhecidas do planeta. Um mediatismo que, ainda assim, não evitou que se tenha perdido o rasto ao retrato de Jesus que é descrito como "uma espécie de versão religiosa de Mona Lisa"..O leilão, em novembro de 2017, causou surpresa no mundo da arte, não só pelos valores envolvidos - 401 milhões de euros -, mas também pela identidade do licitador: pouco depois do leilão, o New York Times revelava que o comprador anónimo do Salvator Mundi era afinal o príncipe Bader bin Abdullah bin Mohammed bin Farhan al-Saud, membro de um ramo afastado da família saudita, sem riqueza ou currículo como colecionador de arte. Mas uma coisa Bader bin Abdullah era, garante o NYT: um amigo próximo do príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, de 33 anos, conhecido como MBS. O mesmo sobre quem recaíram suspeitas de ter dado a ordem para o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado do país em Istambul, na Turquia..Poucos meses depois do leilão da pintura Salvator Mundi,, o príncipe Bader foi nomeado como o primeiro ministro da cultura da história do reino árabe. Ao mesmo tempo, continuavam as obras em Saadiyat Cultural District onde se erguem o Louvre Abu Dhabi, de Jean Nouvel, o Guggenheim Abu Dhabi, de Frank Ghery, o Museu Zayed, da Foster + Partners e o centro de artes performativas, um dos últimos projetos de Zaha Hadid..Um mês depois do leilão, o departamento de cultura e turismo de Abu Dhabi disse que a obra de Da Vinci tinha sido adquirida para ser exibida pelo Louvre de Abu Dhabi. Seria "o presente dos Emirados para o mundo", afirmou na altura o diretor do museu..Mas o presente anunciado para setembro do ano passado nunca foi oferecido. Os responsáveis pelo Louvre de Abu Dhabi não dão explicações sobre o cancelamento e nem a 'casa-mãe' em Paris sabe do paradeiro do Salvator Mundi. As autoridades francesas esperam, aliás, que o quadro apareça a tempo de uma exposição marcada para o próximo outono para assinalar os os 500 anos da morte do mestre italiano. Mas onde a obra parece não estar mesmo é em Abu Dhabi, tendo em conta testemunhos ao New York Times de funcionários do museu..Dúvidas sobre a autoria. "É trágico", lamenta Dianne Modestini, professora da Universidade de Belas Artes de Nova Iorque, que no início deste século restaurou o quadro, que tinha sido descoberto num leilão no Louisana. "Privar os amantes de arte e todos os que de alguma forma são tocados por esta pintura de uma obra-prima de tamanha raridade é profundamente injusto"..Mas porque terá o jovem príncipe saudita mudado de ideias, questiona o New York Times. Ou porque desistiu o museu de Abu Dhabi de expô-lo? Os mais céticos respondem que podem ser sinais de que o quadro não é, afinal, de Leonardo da Vinci e que o seu dono pode ter medo de o expor ao escrutínio público. Um especialista na obra de Leonardo, Jacques Franck, enviou mesmo cartas para o gabinete do presidente francês a colocar em causa a atribuição da autoria do quadro ao mestre italiano..A pintura terá sido feita em 1500 para o rei francês Luís XII e chegou a pertencer à coleção de Carlos I de Inglaterra, antes de desaparecer no final do século XVIII. No século XIX foi encontrado na coleção de um industrial britânico e estava pintado de uma forma que parecia "um hippie loucamente drogado", nas palavras de Martin Kemp, historiador de Oxford que estudou a obra. Razões que levaram a concluir que o quadro seria obra de um dos discípulos de Leonardo..Em 2005, depois de encontrar o quadro num leilão no Louisana, Robert Simon, historiador de Arte e consultor do Museu Metropolitan de Nova Iorque, veio emendar a autoria: era de facto um Leonardo, o primeiro encontrado desde 1909..O reconhecimento valeu-lhe uma exposição retrospetiva na National Gallery de Londres, em 2011. Dois anos depois foi comprado pelo oligarca russo Dmitry Rybolovlev por 113 milhões de euros, que em 2017 o vendeu por 401 milhões..Agora, não se sabe onde está. Modestini conta que ouviu falar de uma encomenda feita a um restaurador de Zurique para analisar o quadro no último outono. Mas o trabalho acabou por ser cancelado. De lá para cá, só silêncio.