'Mundos Paralelos'. A série da HBO que recupera Philip Pullman

Há uns anos, Hollywood tentou adaptar para o cinema <em>His Dark Materials</em>. Agora, a HBO tem a versão televisiva dos livros de Philip Pullman a partir desta segunda-feira. O DN foi até aos EUA para falar com a protagonista da série <em>Mundos Paralelos</em>, Dafne Keen, e o argumentista que criou este conceito, Jack Thorne.
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Esquecer o filme A Bússola Dourada. Esquecer, apagar da memória, fingir que não existiu. É isso o que a equipa da série da HBO Mundos Paralelos/ His Dark Materials quer. A ideia agora é adaptar a sério a obra literária de Philip Pullman, que na adaptação ao cinema em 2007 por Chris Weitz era resumida em demasia, para não dizer adulterada. A Bússola Dourada tinha Daniel Craig e Nicole Kidman, agora nestes nove episódios -- disponíveis a partir desta segunda-feira na plataforma de streaming -- vamos ter James McAvoy e Ruth Wilson e uma escala de produção impressionante, ao nível daquilo que Game of Thrones nos deu.

Neste universo de fantasia com universos paralelos, acompanhamos a saga de Lyra, uma jovem órfã que parte de Oxford para o norte em busca do seu melhor amigo, uma das muitas crianças raptadas pelo Magistério num mundo paralelo. Uma odisseia que a leva a fazer amizade com os povos nómadas, mercenários que deambulam de mundo para mundo, e até um urso-polar gigante com uma armadura poderosa. Nestes Mundos Paralelos, a saga para resolver o mistério passa ainda por descodificar o que é a substância Dust, algo que tem uma metáfora evidente com aquilo que de mais sagrado pode existir. Ao contrário do filme da New Line, esta nova adaptação dá-nos um look menos vitoriano e algo mais contemporâneo, algures entre um retrofuturismo com sinais de fábula e em que cada uma das pessoas tem uma versão animal a fazer-lhe companhia.

Jack Thorne, o argumentista da versão teatral de Harry Potter, algo nervoso, confessa que se queria distanciar o mais possível dos clichés do conto de fantasia: "O que me atraiu em adaptar os livros de Pullman era sermos o mais precisos possível. O filme não resultou porque tinha duas horas, nós tivemos oito! Nesta série podemos ficar com as personagens algum tempo e as personagens são realmente deliciosas. Foi um prazer escrever estes episódios..."

Perguntamos a Jack, também autor de argumentos de filmes bem diferentes uns dos outros, como Um Grande Salto, de Pascal Chaumeil, ou Wonder - Encantador, de Stephen Chbosky, se a febre em relação a séries de fantasia como Game of Thrones ou Stranger Things terá ajudado a viabilizar em 2019 mais uma tentativa de adaptar Mundos Paralelos. A resposta chega sem hesitações: "Sem essas séries não teríamos tido a possibilidade de gastar tanto dinheiro nos efeitos e na recriação deste mundo imaginado. Para um argumentista é qualquer coisa de surreal imaginar uma fantasia e ela depois estar pronta no ecrã...Claro que ainda tenho de levar com questões orçamentais, mas não estou preso a um colete de forças. Aqui não fui eu o único a imaginar este mundo. O pessoal dos efeitos visuais e do guarda-roupa é também autor! Conseguimos os melhores talentos de cinema de todas a áreas. Como foi possível? O dinheiro torna tudo possível."

E porque esta série quer fazer história em televisão, Jack Thorne diz-nos que o segredo destes mundos imaginários passa pelo talento da escrita e da imaginação de Pullman: "Normalmente, este tipo de personagens são muito baças...Claro que no nosso caso tudo mudou quando conseguimos trabalhar com atores como Ruth Wilson, Dafne Keen ou Lin-Manuel Miranda. E depois há a Ruth Wilson, uma das atrizes mais extraordinárias que conheci. A Ruth não é só brilhante, a sua interpretação é de uma coragem extraordinária. Ela leva a sua personagem para um lado símio. Escrever a sua personagem foi o pique de toda esta minha experiência."

Protagonizado por Dafne Keen, a menina-prodígio de Logan, filha de atores britânicos, Mundos Paralelos está pensado para agradar a adultos e a crianças, coisa quase sempre perigosa, embora pela amostra dos primeiros quatro episódios haja uma consistência narrativa e um respeito pelos tempos e pelas palavras dos livros de Philip Pullman. "Não conhecia nada destes livros. Quando fui fazer o casting só tive tempo de ler um pouco de um dos livros. Depois, fui chamada e quis logo ler os livros todos de uma vez. Olhe, fiquei fã! Já os li duas vezes", conta a atriz com uma gargalhada de menina traquinas.

Com um à.vontade perante a imprensa que impressiona e lembra uma certa estipulação de Hollywood relativa ao profissionalismo dos crianças atores, Dafne faz questão de contar que aos 14 anos ainda não tem certezas se quer continuar a ser estrela de cinema e de televisão: "Bem, além de continuar a representar, sei que um dia terei de ser realizadora e argumentista. Adoro escrever mas também adoro todo o tipo de artes. Basicamente, nasci para ser artista." A questão é como é que uma "artista" de 14 anos comunica para o mundo, sobretudo na época da euforia das redes sociais... "Nunca faço posts que sejam pessoais, tudo o que veem no meu Instagram é de trabalho e tenho os meus publicistas que me ajudam. A minha mãe também me ajuda e sei que é tudo monitorizado para não perdermos o controlo", palavras sintomáticas de uma rapariga que afirma igualmente que a privacidade tem de ficar sob sua alçada, não pode ser mercantilizada.

"O mercado não me pode usar como um produto. Tenho de tentar que o mercado me veja apenas como uma artista."

Dafne despede-se da imprensa internacional que esteve no lançamento da série com um recado feminista. Fechamos os olhos e lembramo-nos de Greta Thunberg: "Assistir a esta série e ver a evolução desta personagem é de uma inspiração feminina tremenda, capaz de dar força a todas as raparigas." Afinal, os livros de Philip Pullman ficam também em alta nestes tempo de #Metoo...

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