Comedian, a polémica "obra da banana", de Maurizio Cattelan
Comedian, a polémica "obra da banana", de Maurizio CattelanJOSÉ COELHO / LUSA

Muito mais do que uma banana: a provocação de Maurizio Cattelan chegou a Serralves

Autor da banana colada à parede que rendeu seis milhões de dólares num leilão, Maurizio Cattelan é um dos mais irreverentes nomes da arte contemporânea. Serralves apresenta 26 obras do italiano.
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A Casa de Serralves abres as portas, a partir desta quinta-feira, 3 de julho, à mais extensa exposição do italiano Maurizio Cattelan alguma vez apresentada em Portugal. E sim – “ela” também está cá. A banana colada com fita adesiva à parede, que causou furor mundial, dividiu opiniões e que teve um exemplar vendido por seis milhões de euros num leilão em Nova Iorque, é agora uma das estrelas da mostra Sussurro.

Intitulada Comedian, a peça é ao mesmo tempo escandalosa e banal: uma banana, real, presa à parede com uma simples fita de prata. Mas o impacto foi tudo menos simples. A obra tornou-se viral, foi alvo de piadas e ensaios académicos, memes e debates, e gerou uma tempestade de interpretações em redor da banana mais valiosa da história, comprada por um qualquer milionário das criptomoedas.

Como frisou Philippe Vergne, diretor do Museu de Serralves, no Porto, e curador da exposição, aquando da apresentação da programação de Serralves para este ano, Comedian obriga o público a escolher um lado: “Cattelan criou um símbolo que força as pessoas a tomarem posição — quer gostem ou não de arte, quer gostem ou não de bananas. É espetacular ou é ridículo. Querem comê-la ou desprezá-la. Não importa: já estão envolvidos.”

A banana é só o início.

Na visita à imprensa, esta quinta-feira, sem a presença do artista, Vergne não se quis alongar sobre a mais icónica obra, segundo a agência Lusa. “Sei que querem que fale de uma banana, mas não há bananas nesta exposição”, ironizou. “Ninguém fala da fita-cola.

 A exposição Sussurro — patente até 11 de janeiro de 2026 em Serralves — apresenta 26 obras do irreverente artista italiano, que, desde os anos 1990, tem sido um dos nomes mais falados da arte contemporânea. Concebida especificamente para o espaço da Casa e do Parque de Serralves, a mostra é um diálogo íntimo e provocador entre obra, espaço e visitante.

Entre as peças em exibição estão algumas das mais icónicas de Cattelan, para lá da já citada Comedian: o público poderá ver também La Nona Ora (1999), com o Papa atingido por um meteorito; Him (2001), uma representação de Hitler de joelhos em oração; Breath (2021), onde um homem e um cão repousam lado a lado; Daddy Daddy (2008), uma figura de Pinóquio que parece ter-se afogado numa fonte; ou L.O.V.E , a imponente escultura de um pirete apontado à Bolsa de Valores de Milão que agora está instalada em plena fachada da Casa de Serralves, virada para o Parque.

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A exposição propõe uma reflexão sobre a História e o nosso tempo, recorrendo ao humor, à sátira e à encenação teatral das peças. “Os momentos de transição — entre a infância e a idade adulta, entre a vida e a morte, entre épocas históricas — são a origem da iconografia de Cattelan”, diz Philippe Vergne. É nesses entretempos que o artista encontra o material para a sua crítica: ao poder, à autoridade, aos sistemas de crença. Mas fá-lo sem entregar verdades feitas, obrigando o visitante a interrogar-se, a decifrar.

Charlatão para uns, génio para outros, Maurizio Cattelan é um dos provocadores por excelência da arte contemporânea, mestre na ironia e exímio em testar os limites do aceitável. O título da exposição, Sussurro, é uma provocação subtil, “deliberadamente ambíguo”, descreve Serralves. “Através deste gesto curatorial, a exposição convida os visitantes a refletirem sobre a autoridade institucional, o valor cultural e as forças subtis que moldam a nossa compreensão da arte e da história”.

O percurso da exposição está cuidadosamente encenado para desafiar a perceção do público. Aqui, cada obra dialoga com o espaço e com o olhar do visitante, numa coreografia milimétrica entre a surpresa e o desconforto. Ao longo do percurso, o grotesco roça o sublime, o cómico cruza-se com o trágico, e tudo parece dançar à beira do abismo.

As peças não estão apenas dentro da Casa. Algumas espalham-se pelo Parque, reforçando o carácter cenográfico da obra de Cattelan, onde tudo — o cenário, o gesto, o ângulo de visão — é parte da narrativa. Outra, o já referido pirete de L.O.V.E, cumprimenta de forma ostensiva todos aqueles que desde o parque observam a fachada da casa.

“Sussurro é para Serralves o que as Tentações de Santo Antão de Bosch são para o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. As Tentações de Lisboa têm agora um paralelo: as Tentações do Porto”, equipara o texto que apresenta a exposição no site de Serralves, traçando um paralelo com a pintura de Bosch, “um espetáculo exacerbado da loucura humana, uma visão de um mundo que se aproxima vertiginosamente do fim, tendo como pano de fundo a alegoria bíblica do bem e do mal — uma visão psicótica da decadência, em que pessoas e animais dançam rumo à condenação num cenário em que tudo ardeu.”

Produzida pela Fundação de Serralves, com curadoria de Philippe Vergne e coordenação de Giovana Gabriel, Sussurro inclui também um novo catálogo com ensaios de Bernard Blistène, Cecilia Alemani e do próprio Cattelan. O artista, nascido em Pádua em 1960, mantém-se fiel à sua missão: chocar-nos ou fazer-nos rir, mas sobretudo... pensar. Mesmo que, para isso, tenha de colar uma banana à parede.

Comedian, a polémica "obra da banana", de Maurizio Cattelan
Empresário come banana de obra de arte que comprou por 5,9 milhões de euros

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