Num panorama cinematográfico em que o excesso de eventos não significa necessariamente uma maior riqueza da oferta, aí está o MOTELX como um projecto que soube consolidar a sua identidade e, mais do que isso, conquistar um público fiel. Dirigido por Pedro Souto e João Monteiro, o Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa arranca hoje, às 20h45, no Cinema São Jorge — com The Long Walk – O Desafio, de Francis Lawrence (cuja estreia comercial ocorrerá na quinta-feira) —, prolongando-se até dia 15. De qualquer modo, a sessão oficial de encerramento, com entrega de prémios, terá lugar no domingo, 14, às 21h30, incluindo o filme The Home, de James DeMonaco.A “condição feminina” e a “representação da mulher no cinema” são referências que condensam o tema central desta 19ª edição do certame. O símbolo de tal escolha envolve uma homenagem a uma cineasta portuguesa, Noémia Delgado (1933-2016), autora de títulos como Máscaras (1976) e O Defunto (1981), ou ainda da mini-série televisiva Contos Fantásticos (1981-83) — assim, foi criado o Prémio Noémia Delgado, “dedicado a mulheres que se tenham distinguido no género de terror”.Daí a presença da americana Gale Anne Hurd (nascida em 1955, em Los Angeles), precisamente como primeira galardoada com o Prémio Noémia Delgado. Enquanto produtora, por vezes também argumentista, ocupa um lugar importante nas últimas décadas da história de Hollywood, desde logo através de alguns filmes de James Cameron, incluindo o seu díptico de The Terminator/Exterminador Implacável (1984 e 1991). Recordando a trajectória de Gale Anne Hurd, serão exibidos Aliens: O Recontro Final (1986), outro título de Cameron, e Tremores (1990), de Ron Underwood. . Com A Noite de Walpurgis (1983), Noémia Delgado estará também representada em ‘O Baile das Bruxas’, secção que aposta numa redescoberta da bruxa como figura de formas ancestrais de religiosidade e, mais do que isso, “símbolo da mulher independente, insubmissa, rebelde, frequentemente em oposição ao homem, e guardiã de saberes femininos.” Aí será possível ver ou rever alguns títulos portugueses como O Crime da Aldeia Velha (1964), de Manuel Guimarães, e A Maldição de Marialva (1989), de António de Macedo.A presença de novas produções portuguesas é significativa, com destaque para Sombras, de Jorge Cramez, A Pianista, de Nuno Bernardo, e Crendices, com assinatura do grupo humorístico madeirense 4Litro — o filme de Cramez integra a lista de candidatos ao prémio Méliès d’Argent (Melhor Longa-Metragem Fantástica Europeia), onde também encontramos, por exemplo, La Tour de Glace (título internacional: The Ice Tower), coprodução França/Alemanha/Itália com assinatura da francesa de ascendência bósnia Lucile Hadžihalilović e Marion Cotillard no papel central.Entretanto, segundo informa o programa oficial, a secção competitiva mais concorrida do festival continua a ser a das curtas-metragens portuguesas. Esta ano serão apresentadas 12 novas produções em que se destacam as “narrativas centradas em perspectivas femininas”. A secção tem como paralelo um panorama de curtas internacionais, várias delas também resultantes de produções ou coproduções portuguesas.Livros e debatesE porque o cinema de qualquer género envolve sempre algum tipo de escrita, o MOTELX volta a organizar uma competição para novos argumentos. Serão seis guiões (“ainda à procura de produção”) para serem conhecidos numa sessão aberta ao público, com apresentação dos próprios autores.Este tipo de abordagem surge, de algum modo, complementado pela organização de espaços de diálogo sobre o estado actual, e os futuros possíveis, do género de terror no contexto do audiovisual português. Haverá uma conversa dedicada à produção literária (‘Terror em Portugal: entre o nicho e a literatura’), com a participação de três autores — Fábio Ventura, João Zamith e Mafalda Santos —, e ainda o lançamento do terceiro volume de Os Melhores Contos da Fábrica do Terror.Estão também agendadas conversas sobre as várias frentes do cinema de terror, da produção à comunicação, passando pelas fases de distribuição e exibição, sem esquecer uma masterclass com a homenageada Gale Anne Hurd, na Esplanada da Cinemateca (dia 12, 19h15). Este evento terá como moderadora a jornalista, actriz e programadora Heidi Honeycutt, autora de uma história das mulheres realizadoras de filmes de terror intitulada I Spit on Your Celluloid (ed. Headpress, Londres, 2024) — ou seja, à letra: “Eu cuspo no teu celulóide.”