Morreu Vasco Pulido Valente. "Um génio analítico que não poupava ninguém"

Vasco Pulido Valente morreu esta sexta-feira em Lisboa aos 78 anos. Ensaísta, historiador e comentador político foi um dos mais conceituados e duradouros cronistas da imprensa portuguesa.

O escritor e cronista Vasco Pulido Valente morreu esta sexta-feira em Lisboa no hospital, onde estava internado. Tinha 78 anos. Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa e doutorado em História pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, o ensaísta e comentador político Vasco Pulido Valente era um dos mais conceituados cronistas na imprensa portuguesa.

Vasco Pulido Valente era atualmente colunista do Público, jornal que contava com a sua colaboração desde a sua fundação. O escritor e ensaísta também colaborou com o Diário de Notícias (na direção de Mário Bettencourt Resendes), o Expresso e o Independente. Foi ainda comentador na TSF e da TVI. Nasceu em 21 de novembro de 1941, em Lisboa.

Portugal: Ensaios de História e Política, De Mal a Pior - Crónicas (1998-2015) e O Fundo da Gaveta - Contra Revolução e Radicalismo no Portugal Moderno (2018) foram algumas dos livros que escreveu, bem como Glória (2001), O Poder e o Povo (a sua tese de doutoramento em Oxford, publicada em livro em 1976) ou Os devoristas (1993). Enquanto historiador, especializou-se na história portuguesa do século XIX e na da primeira República (1910-1926).

É a Vasco Pulido Valente que se atribui a expressão "geringonça", nome pelo qual ficou conhecida a solução governativa na última legislatura. A geringonça é o título da crónica que assinou no Público , a 31 de agosto de 2014, e desde então este foi o nome que caracterizou o acordo parlamentar entre PS, Bloco de Esquerda e PCP que marcou a legislatura 2015-2019. Foi também ele quem inventou para António Guterres o epíteto de "picareta falante".

Vasco Pulido Valente foi, desde que começou a publicar, ainda antes do 25 de Abril, o pseudónimo para Vasco Correia Guedes (era Pulido Valente do lado da mãe mas não lhe puseram o apelido). Os pais - Maria Helena e Júlio Correia Guedes pertenciam ao PCP e esse facto passou inúmeras vezes pelas suas crónicas.

"Como colunista, esteve quase sempre 'às avessas', para citar o título de um dos seus livros. Estrangeirado, pessimista, desalinhado, cáustico, era admirado como estilista mesmo por quem não partilhava das suas opiniões e humores."

Sempre foi muito crítico do PCP - e enquanto cronista de imprensa acompanhou pelo menos uma campanha eleitoral de Álvaro Cunhal. Enquanto estudante na Universidade de Lisboa, integrou atividades anti-regime ao lado de Jorge Sampaio, no princípio da década de 60 do século passado. Mas rapidamente transitou para o grupo dos católicos progressistas onde pontificava Bénard da Costa.

O Presidente da República assinalou a sua morte com uma nota onde salientou que na sua produção como historiador privilegiou "uma História narrativa, essencialmente política, que acentuava certos eternos retornos que seriam uma sina portuguesa".

"Como colunista, esteve quase sempre 'às avessas', para citar o título de um dos seus livros. Estrangeirado, pessimista, desalinhado, cáustico, era admirado como estilista mesmo por quem não partilhava das suas opiniões e humores. Tentou perceber Portugal, "país das maravilhas" ao qual dedicou muitos sarcasmos mas também o trabalho, a atenção e o empenho de toda uma vida, à vista de todos. A tudo isso juntava um génio analítico, que não poupava ninguém."

Além de cronista e historiador, Vasco Pulido Valente foi também um político ocasional - mas sempre ferozmente apartidário. Depois do 25 de Abril, empenhou-se, a partir de 1979, na criação da Aliança Democrática (AD), a aliança entre o PSD de Sá Carneiro, o CDS-PP de Freitas do Amaral e o PPM de Gonçalo Ribeiro Telles responsável pelo fim de hegemonia de esquerda que dominava o país desde a revolução.

Seria então secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Sá Carneiro, acumulando com secretário de Estado da Cultura. Tinha das políticas públicas na área da cultura uma visão essencialmente de preservação dos patrimónios. Afastou-se da AD quando Sá Carneiro morreu (4 de dezembro de 1980), em Camarate.

Em meados dos anos 80 apoiou empenhadamente a eleição presidencial de Mário Soares, integrando a sua comissão política. Depois dedicou-se essencialmente à história e ao jornalismo. Em 1995, surpreendeu ao aceitar um convite do então líder do PSD, Fernando Nogueira (sucessor de Cavaco Silva na presidência do partido), para integrar as listas como candidato a deputado, pelo círculo de Lisboa. Foi eleito mas rapidamente se desencantou com a vida parlamentar, nunca mais voltando a ocupar qualquer cargo político. A liderança de Nogueira também pouco durou.

Vasco Pulido Valente foi também, a vida toda, um cinéfilo dedicado, e escreveu, em autoria ou co-autoria, alguns argumentos para filmes portugueses: O Cerco, de António da Cunha Telles (1970), Aqui d'El Rei!, de António Pedro Vasconcelos (1992) e O Delfim, do seu amigo Fernando Lopes, com quem passava horas infindas no seu restaurante de sempre em Lisboa, o Gambrinus.

Com Susete Henriques

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