Robert Redford morreu aos 89 anos de idade. O mundo soube da notícia através de um comunicado de Cindi Berger, presidente da agência artística Rogers and Cowan PMK, responsável pelas relações públicas do ator, produtor e cineasta: “Robert Redford faleceu a 16 de setembro de 2025, na sua casa de Sundance, nas montanhas do Utah - o lugar que amava, rodeado por aqueles que o amavam. A sua falta será profundamente sentida. A família solicita que seja respeitada a sua privacidade.”Na sua comovida brevidade, faz sentido que a notícia não destaque um ou outro filme - e escusado será dizer que haveria algumas dezenas de títulos possíveis, de Perseguição Impiedosa (1966), ao lado de Marlon Brando, sob a direção de Arthur Penn, até O Cavalheiro com Arma (2018), de David Lowery, insólito policial com retoques de comédia que, não sendo exatamente o seu derradeiro trabalho de representação, funcionou como uma espécie de despedida simbólica do cinema.Sundance fica, de facto, como o nome (talvez possamos mesmo dizer: a bandeira) da trajetória plural de um ator que cedo compreendeu a importância das estratégias de produção na consolidação e renovação das estruturas criativas do cinema. Curiosamente, tudo isso começou com a compra de um terreno, nas montanhas do Utah, habitualmente utilizado para provas de ski - Redford conseguiu adquiri-lo graças aos ganhos obtidos em 1969 com Butch Cassidy and the Sundance Kid (Dois Homens e um Destino), um western em que contracenava com Paul Newman, sob a direção de George Roy Hill. Parafraseando a sua personagem (Sundance Kid), decidiu chamar Sundance à nova propriedade.O passo seguinte consistiu em fundar o Festival de Sundance que, desde 1978, tem sido uma montra de eleição para a produção independente. Alguns dos seus títulos vencedores são reveladores do papel de descoberta e promoção de novos talentos que o festival tem desempenhado - lembremos os exemplos emblemáticos dos primeiros filmes dos irmãos Coen, Blood Simple/Sangue por Sangue (1984), ou Todd Haynes, Poison/Veneno (1991), e ainda CODA (2021), de Siân Heder, que viria a arrebatar o Óscar de melhor filme do respetivo ano de produção. Hoje em dia, Sundance é muito mais do que um festival graças ao Instituto Sundance, entidade que mantém diversos programas de apoio aos independentes das mais diversas origens culturais e geográficas, muito para lá dos circuitos dos EUA. . Do teatro ao cinemaTudo isto aconteceu em paralelo com a ascensão de Redford como uma verdadeira star do sistema de Hollywood. No começo, a sua atividade parecia ir ficar confinada a um ziguezague entre os palcos da Broadway - com sucessos como a comédia romântica Descalços no Parque, de Neil Simon, em 1963, contracenando com Elizabeth Ashley - e participações regulares em algumas das mais populares séries televisivas da primeira metade da década de 60, incluindo Naked City, Perry Mason e Alfred Hitchcock Apresenta.Dois títulos seriam decisivos para Redford surgir na linha da frente dos nomes mais populares de Hollywood: primeiro, a adaptação de Descalços no Parque (1967), contracenando agora com Jane Fonda, sob a direção de Gene Saks; depois, o já citado Butch Cassidy and the Sundance Kid, filme de uma vaga de westerns apostados na revisão crítica, tanto no plano narrativo como ideológico, das memórias do Velho Oeste. A essa vaga pertence o admirável Tell Them Willie Boy Is Here/O Vale do Fugitivo (1969), também com Redford, marcando o regresso à realização de Abraham Polonsky, marginalizado durante o período “maccartista”, que não assinava um filme desde 1948 (A Força do Mal). . Neste contexto de profundas transformações do sistema de Hollywood, cada vez mais abalado pela concorrência crescente do pequeno ecrã, Redford foi colecionando sucessos como O Candidato (1972), crónica amarga e doce de umas eleições na Califórnia, sob a direção de Michael Ritchie - foi um momento especialmente importante na sua evolução profissional, já que, para lá do papel principal, marcou a sua estreia como produtor.Entretanto, a sua amizade com Sydney Pollack (que conheceu na televisão quando eram ambos atores à procura de consolidar uma carreira de representação) foi gerando filmes de grande impacto, cada um deles arriscando reconverter e reinventar algum modelo do classicismo de Hollywood. Conheciam-se desde A Flor à Beira do Pântano (1966), com Natalie Wood, crónica romanesca sobre os tempos da Depressão inspirada numa peça em um ato de Tennessee Williams. Voltaram a colaborar em quatro títulos da década de 70: o western As Brancas Montanhas da Morte (1972), em grande parte rodado no Utah, o melodrama O Nosso Amor de Ontem (1973), ao lado de Barbra Streisand, e os thrillers Os Três Dias do Condor (1975) e O Cowboy Eléctrico (1979), o primeiro com Faye Dunaway, o segundo reencontrando Jane Fonda. . A apoteose popular da relação criativa Pollack/Redford aconteceria com África Minha (1985), epopeia romântica inspirada na experiência africana da escritora dinamarquesa Karen Blixen, interpretada por Meryl Streep. Colaboraram pela última vez em Havana (1990), melodrama em cenários cubanos pré-revolução, com Lena Olin, a atriz sueca que Ingmar Bergman consagrara em 1984 através do filme Depois do Ensaio. . Uma dimensão políticaPor mais que possamos (e devamos) reconhecer a defesa da produção independente como marca vital do labor de Redford, importa não cedermos aos maniqueísmos do politicamente correto e insistir no facto de ele nunca ter renegado a sua pertença ao sistema de Hollywood. Isso mesmo ficou patente no momento de consagração do seu primeiro filme como realizador, Gente Vulgar (1980), um subtil drama familiar cujas ressonâncias simbólicas não se desvaneceram.Gente Vulgar ganhou o Óscar de melhor filme do ano, tendo arrebatado mais três estatuetas douradas: realização, para Redford, argumento adaptado, para Alvin Sargent, e ator secundário, para Timothy Hutton. Ao receber o seu prémio, Redford agradeceu aos realizadores com quem trabalhara no passado e com quem, “consciente ou inconscientemente”, tinha aprendido as artes da direção. E fez questão em acrescentar: “Não estará muito na moda, mas é um facto que agradeço o apoio da Paramount Pictures - deixaram-nos fazer o filme como queríamos, e estou muito grato por isso”. . Podemos especular sobre o enquadramento económico e artístico deste agradecimento, perguntando se, em termos gerais, esta relação particular de um cineasta com o studio system se prolonga, de alguma maneira, no atual cinema americano. Uma coisa é certa: Redford ainda assinou mais oito longas-metragens como realizador, deixando-nos um legado precioso em que, direta ou indiretamente, se refletem os contrastes e contradições do seu próprio país, da vida política aos valores culturais.Dois filmes permitem condensar o valor da sua filmografia como realizador: Quiz Show (1994) e Lions for Lambs (2007). O primeiro evoca um escândalo da televisão americana na década de 1950 (quando foram viciadas as regras de um concurso de perguntas/respostas), no limite colocando questões incómodas sobre o poder, de uma só vez social e simbólico, do pequeno ecrã, questões cuja atualidade se vai renovando, por vezes de forma inquietante. O segundo, lançado entre nós como Peões em Jogo, analisa as repercussões do envolvimento militar americano no Afeganistão, tendo como personagens centrais um congressista republicano, uma jornalista e um professor universitário, interpretados, respetivamente, por Tom Cruise, Meryl Streep e o próprio Redford. Infelizmente, o seu discreto impacto comercial faz com a sua dimensão genuinamente política (não panfletária, entenda-se) continue a ser mal conhecida.A esse propósito, vale a pena lembrar que essa dimensão política da obra de Redford - enraizada numa tradição “hollywoodiana” em que podemos encontrar cineastas tão diferentes como Frank Capra, Richard Brooks ou Clint Eastwood - nunca o levou a proclamar qualquer maniqueísmo ideológico, muito menos partidário. Embora simplificando (e simplificando muito), podemos dizer que semelhante posição não é estranha a um conceito jornalístico em que a procura social da verdade e os direitos individuais do cidadão se entrelaçam de forma decisiva. .O sintoma perfeito de tal postura será, sem dúvida, o filme Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula, sobre a investigação de Bob Woodward e Carl Bernstein, jornalistas de The Washington Post, do escândalo Watergate que desembocaria na resignação do presidente Richard Nixon. Interpretando Woodward, com Dustin Hoffman no papel de Bernstein, Redford está na origem do projeto, já que compreendeu muito cedo a importância da investigação que estava a ser desenvolvida - garantiu mesmo a compra dos direitos de adaptação do livro em que Woodward/Bernstein narram essa investigação (All the President’s Men, tal como o filme), antes mesmo de ser posta à venda a primeira edição.Para muitos espetadores das gerações mais jovens, está por descobrir a multifacetada riqueza da herança que Redford nos deixou, muito para lá dos rótulos de “galã” ou “ativista” que tantas lhe são aplicados. Em 2002, a Academia de Hollywood distinguiu-o com um Óscar honorário, em reconhecimento da sua “inspiração para cineastas independentes e inovadores”. Ao entregar-lhe a estatueta, Barbra Streisand disse-o com palavras precisas e carinhosas: “O trabalho de Robert Redford como ator, realizador e produtor representou sempre o próprio homem: o intelectual, o artista, o cowboy. Ele tem uma paixão por contar histórias que refletem a energia e as vulnerabilidades do espírito americano - a nossa luta para alcançarmos o que é mais elevado na nossa natureza. E embora nem sempre o consigamos, os filmes de Robert Redford garantem-nos a possibilidade de celebrar o esforço”..Morreu o ator Robert Redford. Tinha 89 anos