Morre aos 93 anos Edna O'Brien, escritora que desafiou uma Irlanda ultraconservadora
Edna O'Brien, a escritora irlandesa cujo primeiro romance inovador, "The Country Girls", foi queimado e proibido no seu país natal, morreu aos 93 anos, anunciou a sua editora neste domingo.
“Ela morreu pacificamente no sábado, 27 de julho, após uma longa doença”, refere um comunicado da editora Faber Books publicado no X, antigo Twitter. Faber chamou-lhe "uma das maiores escritoras da nossa época".
O presidente irlandês, Michael D. Higgins, disse que soube da morte da sua "querida amiga" O'Brien com "grande tristeza". Foi “uma das escritoras mais notáveis dos tempos modernos” e “uma destemida contadora de verdades”, disse em comunicado.
E acrescentou: “Embora a beleza do seu trabalho tenha sido imediatamente reconhecida no estrangeiro, é importante recordar a reação hostil que provocou entre aqueles que desejavam que a experiência vivida pelas mulheres permanecesse longe do mundo da literatura irlandesa, com os seus livros vergonhosamente proibidos após a sua publicação antecipada."
As honras que finalmente recebeu da sua Irlanda natal incluíram o Prémio Presidencial de Serviços Distintos em 2018.
"The Country Girls" (1960), sobre a iniciação sexual de raparigas católicas rebeldes, extraída das experiências de infância de O'Brien, é hoje um marco na literatura irlandesa moderna pela sua quebra de tabus sociais e sexuais.
O'Brien nasceu em 1930 numa família de rigorosos agricultores católicos no condado de Clare, no oeste da Irlanda.
Foi educada numa escola de convento e depois em Dublin, onde se formou como farmacêutica em 1950, na altura em que descobria uma paixão por Leo Tolstoy, F. Scott Fitzgerald e T.S. Eliot.
Em 2018, ganhou o prestigiado Prémio PEN/Nabokov de Realização em Literatura Internacional, homenageado por ter quebrado "barreiras sociais e sexuais para as mulheres na Irlanda e fora dela".
Em 2021, a França nomeou-a Comandante da "Ordre des Arts et des Lettres", a mais alta distinção cultural do país.
A frontalidade da escrita de O'Brien, sempre objetiva, sempre em função da história e das suas personagens, levou a que os seus livros fossem alvo de censura, na Irlanda católica, mas elogiados por autores como Kingsley Amis e Philip Roth. O seu nome foi por várias vezes indicado ao Nobel da Literatura.
A escritora publicou mais de 20 títulos, sobretudo romances e coletâneas de contos, e conhecia aquilo a que chamava "extremos da alegria e da tristeza, do amor e desamor, do sucesso e do fracasso, da fama e do massacre", cita a Associated Press.
"Poucos desafiaram tão concreta e poeticamente os tabus da Irlanda sobre religião, sexo e género; poucos escreveram com tanta ferocidade e sensualidade sobre solidão, rebeldia, desejo e perseguição", acrescenta a agência norte-americana de notícias.
O livro The Country Girls (Raparigas de província), centrado em duas jovens mulheres que fogem de um convento para Dublin, foi de imediato proibido na Irlanda, em 1960, assim que publicado, à semelhança do que já acontecera com obras de autores como James Joyce e Frank O'Connor. Chegou a ser queimado em Tuamgraney, onde a autora nascera.
Nos anos de 1980, a banda britânica Dexy's Midnight Runners pôs Edna O'Brien lado a lado com outros escritores irlandeses proibidos na terra natal, como Eugene O'Neill, Samuel Beckett e Oscar Wilde, na canção "Burn It Down", do álbum "Searching for the Young Soul Rebels".
Na obra de Edna O'Brien contam-se romances como "August Is a Wicked Month" ("Agosto é um mês perverso", em tradução livre), sobre a libertação sexual de uma mulher; "Down By The River", baseado na história de uma adolescente irlandesa que engravidou depois de violada pelo pai; e o autobiográfico "The Light of Evening", sobre uma escritora de regresso à Irlanda para ver a mãe doente.
O seu mais recente romance, "Girl" ("Menina"), de 2019, é dedicado a vítimas do Boko Harem.
A obra de Edna O'Brien encontra-se publicada em Portugal pelas editoras Cavalo de Ferro ("Menina", "Na Floresta", "Pequenas Cadeiras Vermelhas") e a Relógio d'Água ("Byron e o Amor", "Raparigas de Província").
* com agências