Monos: o Apocalipse Now para as novas gerações

Conto de menino guerrilheiros, <em>Monos</em>, de Alejandro Landes, foi uma das grandes surpresas do circuito dos festivais e chega agora aos clubes de vídeo e à Filmin antes da estreia nas salas. Em plena quarentena, o realizador confessa ao DN estar a saborear este novo silêncio do mundo.
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Não se sabe onde são estas montanhas algures nos confins na América Latina, nas quais um grupo de crianças-soldado capturam uma cidadã americana. Por entre a bruma da madrugada e os sons dos animais, há uma ordem da natureza que esconde o peso da guerra. Alejandro Landes, cineasta colombiano, pinta um retrato de um conflito invisível com uma pujança surrealista notável. Monos, desde que foi mostrado no Festival Sundance em 2019, tornou-se numa espécie de coqueluche do circuito de arte & ensaio.

Um Apocalipse Now para uma nova geração que é também um olhar implacável sobre a situação de flagelo das crianças guerrilheiras. Landes filma tudo num estado febril que lembra também a maneira como Herzog já captou a essência da natureza e da floresta. Cinema em estado de graça.

Desde o seu apartamento em Miami, o cineasta colombiano contou ao DN por telefone a epopeia que foram estas filmagens: "Caramba! Foi uma loucura, tínhamos de lidar com os elementos de uma montanha a 4000 metros de altitude, sempre com uma nuvem imensa, chuva constante e sol a aparecer do nada. Filmámos tudo no limite! Foi um desafio humano. Como cineasta, nunca pude planear nem controlar nada, nem tão pouco os jovens atores que não tinham experiência! A dada altura tinha pessoas da minha equipa a terem ataques epilépticos pela falta de oxigénio". Esse desespero fica estampado na maneira como as imagens se fundem com os elementos da natureza. E aí a música minimal de Mica Levi torna-se perfeita para o transe que o filme propõe.

Num "portunhol" mais português do que castelhano, confessa que depois da estreia no Festival Sundance, o seu filme viveu um fenómeno de amor cinéfilo inexplicável: "Foi incrível. No próprio dia em que estreámos houve logo um distribuidor americano a ficar com o filme! A partir daí todos os países quiseram ficar com ele. Estamos a estrear em todo o mundo! Isso é muito emocionante, sobretudo por ser um filme que resgata algo que só é possível numa sala de cinema, ou seja, apela à nossa consciência e cabeça mas também ao estômago. Monos está do lado do sonho, perto do nosso subconsciente e de um mundo sem construção lógica e sem palavras. Se há alguma coisa que estamos a aprender nesta quarentena é que o mundo é um lugar muito misterioso. Pois bem, o cinema pode ajudar-nos a compreender este mundo".

Violento e com uma sexualidade gutural, Monos guia-nos perante uma vertigem sensorial que recorre ao imaginário de William Golding (O Senhor das Moscas) e de Joseph Conrad (Coração das Trevas). Pede sala de cinema? Claro que sim, mas está garantido que quando os cinemas reabrirem terá ordem de estreia prioritária. Para já é o primeiro de uma operação da distribuidora Cinema Bold para resgatar títulos inéditos nos videoclubes e na Filmin antes de os lançar em cinema - experiência inédita e que também está a ser acompanhada pela Leopardo Filmes de Paulo Branco, agora a lançar na Filmin o bem recomendável Quarto 212, de Christophe Honoré.

Para o realizador colombiano a quarentena tem uma vantagem: "Para poder criar preciso não ter estímulos exteriores. De forma egoísta confesso que este confinamento ajuda-me, estou neste momento a escrever um novo projeto. Este silêncio do mundo e este baixar de velocidade ajuda-me a escrever e a pensar.. .Antes tínhamos gratificações muito rápidas, de mensagens a notícias - para criar cinema o processo tem de ser mais demorado". Landes conta, antes de desligar o telefone, que está mesmo em frente a uma praia, uma praia vedada. Talvez o sucessor de Monos tenha ainda mais efeito aquático. Mas por muitas voltas que o calendário cinematográfico dê, está aqui indubitavelmente um dos melhores filmes do ano.

**** Muito bom

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