Miou-Miou: "O cinema é sempre uma aventura"

Uma das mais veneradas atrizes em França recebeu o DN em Paris. Miou-Miou regressa aos ecrãs com Minha Querida Sogra, em estreia esta semana. Ao lado dela esteve também a outra protagonista, a rainha das comédias de grande público em França, Alexandra Lamy.
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A comédia popular francesa em Portugal é bipolar. Tanto pode contagiar os portugueses, como foi o caso de Bem-vindos a África, de James Huth, um dos pouquíssimos sucessos pós-covid, tal como pode passar completamente ao lado como Escolhe tu!, de Eric Lavaine. A ver o que se passa com Minha Querida Sogra, de Méliane Marcaggi, onde pontificam no elenco Miou-Miou e Alexandra Lamy. A seu favor: a premissa de uma ressaca após uma noite de sexo e copos, contras: não vai ter uma campanha promocional forte e a falta de juventude no elenco talvez não atraia um público mais regular de cinema de centro comercial.

A intriga centra-se numa ideia de equívocos divertidos: Louise (Alexandra Lamy), de 45 anos, parte para um fim de semana na Córsega. Depois de uma noite selvagem de paixão desenfreada com um homem que acaba morto, vê-se confundida com uma namorada secreta de longa data pela mãe dele (Miou Miou), uma matriarca muito assustadora e carismática

Pressionada pelo outro filho, que inventara uma mítica namorada para o irmão dissoluto com o intuito de tranquilizar a mãe, Louise acaba por alinhar no jogo de fingir que era a mulher da vida do falecido. A partir daí vê-se envolvida numa confusão cheia de nós cegos e que previsivelmente vai aproximar emocionalmente estas duas mulheres tão diferentes.

Em Paris, num hotel de luxo fora-de-moda, encontro com a sogra, Miou Miou, e a nora, Alexandra Lamy, duas das grandes damas do cinema francês. Estão divertidíssimas e a achar que o filme cá entre nós vai funcionar às mil maravilhas. Alexandra, bem menos plástica do que no ecrã de cinema, vai dizendo que amou trabalhar com Nuno Lopes no inenarrável Sem Filtro, outra das comédias que não encontrou público digno de número visível em Portugal.

"A comédia francesa evoluiu muito nos últimos tempos. Temos comédia dramática, romântica, social, comédia de situação, a comédia mais popular e musical. Às vezes, temos conseguido através da comédia falar de alguns temas importantes, coisas que quando o cinema aborda de forma dramática não nos tocam tanto. Aqui, com Belle Fille, quisemos também oferecer o imaginário do humor da Córsega...E também dá para rir, chorar. Há um pouco de tudo neste filme...",diz-nos uma muito apelativa Alexandra Lamy, uma das atuais rainha da comédia "mainstream" francesa, vedeta de Assim Não Vais Longe (2018) ou de Isto só a Mim! (2016).

Ao seu lado, está sempre em pose de gargalhada Miou-Miou, figura intocável do sistema de estrelas do cinema francês, senhora que nos anos 70 brilhou em Crónica da Mais Velha Profissão do Mundo, de Daniel Duval, ou Jonas que Terá 20 anos no Ano 2000, de Alain Tanner, uma grande vedeta que nesta comédia desafia todas as convenções do cliché da figura da sogra. Segundo ela, o segredo do filme está no fator Córsega: "os corsos são formidáveis e com eles tudo muda, a começar pelo vocabulário. Os atores corsos que encontrámos eram todos firmes numa convicção incrível, com uma capacidade enorme de proteger aquilo que se subtende como humor da região...Mas este filme fala de ressacas e eu já tive muitas! Quando regressamos de uma noitada e ficamos aflitas para encontrar as chaves do quarto do hotel é já um sinal...". "Depois, na manhã seguinte, temos as resoluções para nunca mais voltar a acontecer. Mas em relação ao filme, a minha personagem é uma mulher que chega à Córsega depois de perceber que o marido a enganava e aquilo foi a oportunidade para dizer a si própria que a sua existência não era apenas a mamã e a esposa. A bebedeira que decide apanhar é um ato de liberdade! Por isso, na manhã seguinte não se lembra de nada!! A ressaca ainda maior", diz a brincar Lamy.

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Lado a lado, duas gerações de atrizes que nesta entrevista em conjunto mostram uma química do outro mundo, talvez ainda mais do que no filme... Sobre essa química, Miou-Miou diz que são coisas que não se explicam: "não fizemos nada para isso...", enquanto que Lamy vai dizendo que ambas são da mesma escola: "não fizemos nenhum esforço, mas foi um prazer. Ajudou também ter uma realizadora toda bacana como a Méliane. Ela conseguiu que de forma sincera nós embarcássemos na história que queria contar. Foi ótima a propor-nos coisas e a conseguir que trabalhássemos juntas. Ficámos absolutamente abertas. Para mim, trabalhar ao lado da Miou-Miou já foi um sonho".

Para Miou-Miou a rodagem foi também um sonho: "claro que foi! Estávamos na Córsega, com bom tempo, e ao fim do dia bebíamos um copo a olhar o mar. Foi muito agradável. A Córsega foi evidentemente uma personagem do filme com toda a sua energia. Depois apanhámos uma tempestade e o final já não foi tão bonito".

No fim, depois de uma série de piadas internas com a colega, Miou-Miou, em jeito de balanço, afirma que o cinema é algo que lhe tem dado tudo na vida: "O cinema levou-me a todo o lado e fez tudo possível para mim. Com Minha Querida Nora tornei-me numa mãe corsa, quem iria imaginar!? Claro que são experiências de dois meses, só dura isso. Quando corre bem é uma maravilha, mas imagine que corria mal. Já me aconteceu....uma série de pessoas que não se suportam sempre juntas um montão de tempo! O cinema é coisa de encontros e desencontros, onde é preciso saber estarmos sempre com capacidade de adaptação. O cinema é sempre uma aventura. Quando é uma boa aventura adoro mesmo...Mas também é bom para ganhar dinheiro". "Quando nos pagam para isto não nos podemos queixar!", riposta a colega loura.

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