Há escritores que se tornam nomes de cabeceira pela simples qualidade da prosa, e depois há os escritores que mudam vidas. O anglo-americano Oliver Sacks (1933-2015) não era sequer escritor “de profissão”, mas chegou a muita gente através de uma literatura única, capaz de aproximar os leitores daquela sensibilidade rara a meio caminho entre a ciência e a poesia. A escritora britânica Hilary Mantel conta-se entre as pessoas (grupo no qual me incluo) a quem um dos livros de Sacks mudou a vida (foi exatamente o mesmo que mudou a minha): chama-se Enxaqueca e não passa de um livro técnico sobre todos os aspetos, biológicos e emocionais, que envolvem essa condição tão incapacitante quanto mal compreendida na sociedade. E quando digo “livro técnico” não estou a falar de literatura menor: a eloquência do neurologista mais famoso do mundo passava por uma atenção exaustiva aos fenómenos que afetavam os seus pacientes. Fenómenos que afetam qualquer um de nós.Baseada nessa postura atenta, e genuinamente curiosa, do médico que se revelou através de bestsellers como Despertares e O Homem que Confundiu a Mulher com Um Chapéu, a série Mentes Brilhantes, em estreia hoje no TVCine Emotion (22h10) e TVCine+, tem como grande trunfo uma personagem principal que evoca, sem meios termos, Oliver Wolf Sacks. E começa logo pelo nome: Oliver Wolf é um neurologista gay, que gosta de andar de mota, nadar no rio Hudson, cuidar das suas plantas e ouvir Bach. Sofre de prosopagnosia (dificuldade em reconhecer rostos), acredita que a essência do universo está na tabela periódica e é conhecido por quebrar regras... A série mostra esse modus operandi desde o primeiro minuto, onde vemos o Dr. Wolf a levar um paciente com Alzheimer de mota até uma festa, sem autorização – o ato rebelde, apesar de profundamente humanista, resulta na sua demissão.Mentes Brilhantes tem, pois, como objetivo imanente explorar a personalidade de Sacks através do típico drama processual, em que cada episódio corresponde a um novo caso clínico. Não se trata, no entanto, de usar os casos para exibir a genialidade do médico. Pelo contrário. Cada caso oferece janelas para os traumas e memórias de Dr. Wolf, como se estudar os pacientes e tentar colocar-se na sua pele lhe permitisse conhecer os próprios handicaps que o afligem.Depois da dita demissão, Wolf passa a trabalhar no Bronx General Hospital, onde, com alguma relutância, se torna mentor de uma equipa de estagiários, alguns deles também tocados por patologias do foro mental. O que aprendem com Wolf? Não só a mandar as regras às urtigas, claro, mas sobretudo a seguir um método experimental e observacional que valoriza a pessoa, antes do paciente: para ele, a empatia e a conexão humana são o antídoto necessário contra a burocracia dos procedimentos.. This is Us: MedicalCriada por Michael Grassi, que em entrevistas disse ter imaginado Mentes Brilhantes como um “This is Us: Medical” (referindo-se à comovente série de Dan Fogelman), no sentido de ser uma mistura de enigmas médicos e processo emocional, pode ver-se nestes 13 episódios uma inspiração honesta nos trabalhos de Oliver Sacks. Mesmo que, por vezes, as frases “inspiradoras” em voz-off não acrescentem muito.Para quem viu Despertares (1990), de Penny Marshall, o filme adaptado (argumento de Steven Zaillian) do livro homónimo de Sacks, com Robin Williams no papel do médico à imagem do autor e Robert De Niro como paciente que se torna um extraordinário caso clínico, identificará em Brilliant Minds a homenagem justa ao eterno idealista da mente humana, que procurou nas verdades científicas o diálogo com as emoções.Quanto a Zachary Quinto, mais não se poderia pedir ao zeloso ator a cargo da composição de Wolf, que além da fidelidade às nuances do carácter de Sacks, se muniu da reconhecível barba para tornar mais próxima a figura, e mais biográfica a abordagem. Entre o quotidiano no hospital e o próprio funcionamento do cérebro de Wolf/Sacks, estamos sempre a acompanhar um movimento de estudo e compreensão que, mais uma vez, tem tudo que ver com a literatura do neurologista. Tal como o livro Enxaqueca não dá a cura para as cefaleias, nem traz nenhuma poção mágica nas suas páginas, antes esclarecendo os leitores sobre a riqueza que se esconde nessa doença neurológica, também aqui não é na resolução de casos que se esgota a narrativa: interessa as portas que se abrem para a compreensão do mundo que é o nosso corpo sensorial e psíquico..‘Elio’ e ‘Sally’: diálogos cósmicos entre a Terra e o espaço .Fórmula 1 e altas velocidades - 5 filmes a descobrir