Mark Lanegan regressa a Portugal para mostrar o seu lado mais eletrónico

O americano Mark Lanegan está de regresso a Portugal para apresentar o novo disco, "Somebody"s Knocking", em que assume uma veia eletrónica ainda pouco conhecida dos fãs de um dos heróis do <em>grunge</em>
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É caso para dizer que o rock lhe salvou a vida. Depois de ter estado preso durante um ano, por crimes relacionados com droga, foi num curso de prevenção para a toxicodependência que Mark Lanegam conheceu Van Conner, o baixista com quem viria a formar os Screaming Trees. E foi enquanto líder desta banda, na viragem das décadas de 80 para 90, que se tornou num dos protagonistas do renascimento do rock, por via do grunge. Prepara-se aliás para lançar um livro de memórias, intitulado Sing Backwards And Weep, com edição prevista para o início do próximo ano, dedicado a este período. "Foram tempos muito sombrios para mim", afirma nesta entrevista ao DN, em que recorda a morte dos amigos Kurt Cobain (dos Nirvana) e Layne Staley (dos Alice in Chains), das quais, confessa, nunca recuperou totalmente.

O percurso de Mark Lanegan confunde-se aliás com grande parte da história do rock alternativo americano das últimas três décadas. Fez parte dos Mad Season e dos Queen of the Stone Age, colaborou com nomes como Twilight Singers, Mondo Generator ou Moby e assinou ainda diversos álbuns em conjunto com Isobel Campell (antiga vocalista dos Belle and Sebastian) e Greg Dulli, dos The Afghan Whigs, com quem formou a dupla The Gutter Twins. Mas tem sido a solo que a sua voz rouca de barítono, mais tem sobressaído, com uma extensa (e tão variada) discografia em nome próprio que já lhe valeu a comparação a mestres como Tom Waits ou Leonard Cohen.

Aos 54 anos, Mark Lanegan continua, porém, a ser apenas ele próprio e esse é talvez o maior elogio que lhe pode ser feito. Como mais uma vez acontece agora, com o novo Somebody's Knocking, editado há pouco mais de uma semana, em que assume uma veia eletrónica ainda pouco conhecida, em homenagem a alguns dos seus heróis musicais dos anos 80 - "especialmente Peter Hook". É este disco que agora vem apresentar a Portugal, em dois concertos, em Lisboa e no Porto, nos quais, promete, "também não vão faltar temas mais antigos".

Cada um dos seus álbuns é quase sempre uma experiência diferente para os ouvintes, mas ao mesmo tempo existe sempre um certa coerência, quantos artistas existem dentro de sim, afinal?
Acho que apenas um, mas tenta sempre fazer as coisas de maneira diferente. Se estivesse sempre a fazer o mesmo, isso não seria desafiante para mim, enquanto artista. Nunca tive qualquer problema em assumir as minhas variadas influências musicais, já o fiz várias vezes ao longo da minha carreira a solo e foi isso que mais uma vez tentei fazer com este disco.

Como é o seu método de trabalho? Pensa num conceito antes de começar a compor ou é a música que o vai ditando, à medida que vai surgindo?
A ideia nunca é a mesma. Neste caso, trata-se de um disco muito longo, com 14 faixas, que nasceu da vontade antiga de fazer um álbum duplo, composto por canções, digamos, mais orelhudas, daquelas que à partida não caberiam no meu mundo, embora isso seja algo que já não existe há muito tempo - esse tal "meu mundo" (risos). Reconheço que se trata de uma ideia de grandiosidade muito minha, essa coisa de fazer um álbum duplo, especialmente numa época como esta, em que, devido ao streaming, já quase ninguém ouve um álbum completo.

Mas mesmo assim fê-lo?
Sim, porque tinha as músicas perfeitas para isso e também senti ser a altura certa da carreira para o fazer. Basicamente era algo que estava na minha bucket list.

Falou há pouco das suas influências e este é um álbum no qual os Joy Division e os New Order são quase omnipresentes, concorda?
Sou sempre muito influenciado pela música que oiço em determinada altura e pela que ouvi ao longo da minha vida. E os Joy Division sempre foram uma das minhas principais influências, apesar de nem sempre isso ser audível na minha música, mas está lá. Sou um enorme fã do Peter Hook e não tenho problema nenhum em dizer que muitas vezes o tento imitar.

Há um tema em particular neste disco, chamado Pentouse High, que é uma verdadeira surpresa, por soar tão pop e dançável, não é?
Sim, essa música revela todo um novo Marl Lanegan, apesar de eu não ser, de todo, o tipo de artista que se vai bambolear para um palco (risos). Nunca escrevi esse tipo de música, é verdade, mas sempre a ouvi. Este tema em particular já estava escrito há algum tempo e até era para ter entrado no álbum anterior, mas acabou por ficar de fora, por não fazer muito sentido. E foi o melhor que fiz, porque acabou por se tornar na alma e no coração deste disco.

Acredita que este é o melhor disco que já fez?
Já fiz muitos discos diferentes, alguns deles muito bons, como o Bubblegum, o Blues Funeral ou o Whiskey for the Holy Ghost, que é bastante mais antigo. Posso, isso sim, é dizer que é um dos mais bem executados. É um álbum do qual estou muito orgulhoso, até por ser o mais próximo daquilo que eu sempre quis ser, enquanto músico.

Numa crítica ao disco alguém escreveu que Somebody's Knocking representa "uma nova era para o rock gótico", concorda?
Não me faz propriamente infeliz (risos), porque está próximo daquilo que habitualmente oiço em casa, que tem muito a ver com a coldwave e a darkwave dos anos 80 ou bandas por elas influenciadas. Acho que a minha mulher vai gostar de ler essa crítica (risos).

Como crê que os seus fãs mais antigos, do tempo dos Screaming Trees e do grunge, vão reagir a esta faceta mais eletrónica?
Sinceramente não me interessa, porque não faço os discos a pensar nos fãs, faço-os para mim. Claro que gosto que haja pessoas que gostem daquilo que faço, é uma bênção que isso aconteça, mas não pode ser essa minha preocupação. Se compararmos o meu primeiro disco com este é óbvio que soe bastante diferente, porque já se passaram quase 30 anos. É ótimo que alguns dos fãs desse tempo ainda gostem de mim, mas também é natural que alguns não me tenham acompanhado.

Prepara-se para editar um livro de memórias sobre o período de explosão do grunge, em que os Screaming Trees foram protagonistas, a par dos Nirvana ou dos Alice in Chains, como recorda esses tempos?
Não foi uma experiência muito agradável, posso mesmo dizer que foram anos muito negros para mim, durante os quais fiz muitas coisas de que não me orgulho. Perdi dois dos meus melhores amigos nessa altura, que por acaso eram das pessoas mais populares desse movimento, o Kurt Cobain e o Layne Staley, que não sobreviveram, como eu. Acima de tudo tentei ser o mais honesto possível, porque foram tempos muito duros, apesar do sucesso. Foi um amigo meu que me convenceu a fazê-lo, não me arrependo, mas nunca mais quero lá voltar.

Mas ao mesmo tempo está a fazer um álbum colaborativo, com gente como o Warren Ellis dos Bad Seeds ou o John Paul Jones dos Led Zeppelin, entre outros, que vai servir de complemento ao livro. È mais fácil cantar e tocar sobre esses tempos do que escrever sobre eles?
É muito mais fácil, porque uma canção não é a vida real, como um livro o é, pelo modo como nos obriga a mergulhar profundamente na memória e isso traz ao de cima muitas más recordações, que eu já julgava esquecidas. Fazer canções é a minha vida, é algo que eu julgo fazer bem e portanto não me obriga ao mesmo tipo de esforço.

E o que podem esperar os fãs portugueses destes dois concertos?
Vamos apresentar o disco novo, mas como habitualmente faço, tento sempre incluir no alinhamento alguns temas mais antigos. O problema é que já são tantos discos que começa a tornar-se difícil fazer essa escolha de forma a agradar a todos.

Mark Lanegan Band
Lisboa ao Vivo, Lisboa. 30 de outubro, quarta-feira 21h. €23
Hard Club, Porto. 31 de outubro, quinta-feira 21h. €23

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