"Para mim e para a Teresa é para sempre. Um exemplo e inspiração a vários níveis, na literatura, no jornalismo, no feminismo. Poucas pessoas têm o peso da Teresa na minha vida. Foi um privilégio.” É com estas palavras, carregadas de emoção, que a jornalista e escritora Patrícia Reis nos fala da morte de Maria Teresa Horta na manhã desta terça-feira, aos 87 anos. Em 2024, o mesmo ano em que a BBC colocou Maria Teresa na lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras em todo o mundo, Patrícia publicou a biografia A Desobediente (edição Contraponto), que vai já na sexta edição, o que, como frisou a editora na sua nota de pesar, diz bem do interesse do público por esta figura, cuja coragem cívica e literária abriu caminho aos direitos e liberdades das mulheres portuguesas.Maria Teresa Horta nasceu em Lisboa a 20 de maio de 1937, no seio de uma família abastada, que, pela via materna, descendia dos marqueses de Alorna - uma origem que a marcaria, não tanto pelo orgulho aristocrático, mas pela admiração que sempre teve por Dona Leonor de Almeida Portugal, Marquesa de Alorna, que, na segunda metade do século XVIII e primeira metade do século XIX, se afirmou na vida literária e política de Portugal. A ela dedicaria o multipremiado romance As Luzes de Leonor, com mais de mil páginas, publicado em 2011..Mas para a jovem Maria Teresa Horta, a rebeldia e a poesia foram sempre a par, para desespero de um pai conservador, confortável com a ditadura. Ao mesmo tempo que se insurgia contra o regime, a estudante da Faculdade de Letras de Lisboa estreava-se na publicação de poesia em 1960, e integraria o importante movimento Poesia 61, ao lado de nomes como Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Casimiro de Brito e Luiza Neto Jorge..A notoriedade pública chegou, todavia, em 1971, com a publicação, em parceria com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, de Novas Cartas Portuguesas, com a bênção editorial de Natália Correia. Como recordou Patrícia, em entrevista ao DN (7/04/2024): “A repercussão foi enorme. As Novas Cartas foram o mote do Congresso Feminista nos Estados Unidos. Mas, em Portugal, no dia 7 de maio de 1974, elas foram absolvidas e o livro passou de pornografia e atentado ao pudor a obra-de-arte. Mas depois desapareceu, como se alguém dissesse: Vamos fechar isto à chave.”.Reações à morte de Maria Teresa Horta. Marcelo evoca lugar único no feminismo e jornalismo.O legado desta obra, que valeu às três autoras a instauração de um processo judicial, e muitas ameaças e até agressões (Maria Teresa Horta foi espancada na via pública e hospitalizada) perdura no tempo. Num ensaio publicado no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, aquando dos 25 anos do 25 de Abril, a professora de Literatura, Maria Alzira Seixo, escreveu: “A modernidade da proposta não se esquiva a modos de tratamento literário que acabam por transcendê-la, convocando muitos dos processos que a literatura pós-moderna tem sistematicamente utilizado: re-escrita, reelaboração e contrafação histórica, ontologização de questões em termos literários específicos (…).” (JL, Março de 1999)..Como jornalista, Maria Teresa Horta trabalhou para alguns dos mais importantes títulos portugueses, entre os quais o DN, com o qual colaborou durante mais de 20 anos, mas também para o Diário de Lisboa, A Capital (onde dirigiu o suplemento cultural) ou o citado Jornal de Letras, Artes e Ideias. De 1975 a 1989, foi chefe de redação de um dos mais importantes títulos assumidamente feministas da imprensa portuguesa, a revista Mulheres, para a qual, entre outros trabalhos dignos de memória, entrevistou as escritoras Marguerite Duras e Marguerite Yourcenar. Pela mesma época, foi militante do PCP, como o marido, Luís de Barros, que foi diretor do DN em 1975 (tendo como adjunto José Saramago).Mas o que sempre diferenciou Teresa, além da qualidade do seu trabalho e erudição, foi a insubmissão, como nos contou Patrícia Reis na referida entrevista ao DN: “A Teresa nunca se subjugou ao sistema, nem sequer ao do Partido Comunista. O Mário de Carvalho diz que ela foi sempre uma voz distinta dentro do partido. A verdade é que a revolução aconteceu, mas os princípios da misoginia e do machismo continuaram lá. Por outro lado, a felicidade não é uma coisa que lhe bata à porta porque ela está sempre do outro lado.”."Se chegar aos 100 anos, hão de continuar a dizer-me que queimei sutiãs. Não queimámos nada".Entre as suas principais obras contam-se, na poesia, Minha Senhora de Mim (1967); Educação Sentimental (1975); As Mulheres de Abril (1976); Poesia Completa I e II (1960-1982) e (1982); Os Anjos (1983); Minha Mãe, Meu Amor (1984); As Palavras do Corpo - Antologia de poesia erótica (2012); Poemas para Leonor (2012); Poesis (2017); Estranhezas (2018). Na ficção, são de destacar, entre outros títulos, Ambas as Mãos sobre o Corpo (1970); Ana (1974); Ema (1984); A Paixão Segundo Constança H. (1994); A Mãe na Literatura Portuguesa (1999); As Luzes de Leonor (2011); A Dama e o Unicórnio (2013) e Meninas (2014). Foi distinguida em 2011 com o Prémio D. Dinis, da Fundação Casa de Mateus, pelo romance As Luzes de Leonor. Em 2014, recebeu o Prémio Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e o Ministério da Cultura distinguiu-a com a medalha de mérito cultural, em 2020. ."Avançou-se muito nos direitos das mulheres, mas não se avançou em relação à violência doméstica".As cerimónias fúnebres realizam-se esta quarta-feira a partir das 18.00, na Basílica da Estrela, em Lisboa. O velório decorre entre as 18:00 e as 22:00. Quarta-feira realiza-se uma cerimónia reservada à família e amigos. O funeral sai às 14.30 para o Cemitério dos Prazeres. .Maria Teresa Horta: a nossa dívida não acaba