O filme Mahabharata, de Peter Brook (1925-2022), é uma lendária referência cinéfila. A sua genuína energia espetacular tem como base um épico, também lendário, da cultura indiana, centrado numa guerra de sucessão travada entre dois grupos de uma mesma família. Brook começou por encená-lo em palco, em língua francesa, no Festival de Avignon de 1985, tendo concluído o seu filme em 1989. Recentemente restaurado sob a direção de Simon Brook, filho de Peter Brook, também cineasta, Mahabharata será projetado amanhã, dia 21 de novembro, no CCB, num evento de entrada livre (com levantamento prévio de bilhetes, a partir das 15h00). A sessão começa às 17h00, com uma conversa com Simon Brook; a projeção do filme (duração aproximada: 180 minutos) tem início às 19h00.Em conversa com o DN, Simon Brook fez questão em sublinhar que, para lá de uma obra imensa como criador teatral, o pai se via também “como um cineasta”, sempre interessado na evolução da técnica fílmica. Daí o seu empenho no restauro de Mahabharata com a nova tecnologia conhecida na gíria como 8K (valorizando a textura das imagens em 4K): “Quando comecei a pensar no restauro de Mahabharata, tanto quanto sei quase não havia filmes em 8K. Fizeram-se algumas experiências com filmes de Hitchcock em formato VistaVision, mas Mahabharata era um caso único, já que se tratava de um objeto a meio caminho entre uma representação ao vivo e uma experiência cinematográfica.” . O desafio técnico não excluía as questões de difusão: “A minha pergunta era esta: qual será a melhor maneira de dar a ver o filme ao público de hoje? Sabia que a tecnologia 8K existia. Perguntei ao laboratório francês com que trabalho o que achavam se tentássemos restaurar Mahabharata em 8K. Responderam-me que eu era louco... Mas insisti: porque não fazemos uns testes? Havia até uma coincidência divertida, já que o principal fabricante de scanners 8K era uma companhia indiana - pareceu-me um bom sinal...” “Fizemos, realmente, alguns testes”. Seja como for, Simon Brook considera que estava em jogo algo mais do que a definição das imagens: “Era como se o 8K emprestasse às imagens um efeito estereoscópico, uma sensação de profundidade. Não era apenas a resolução das imagens, já que, em boa verdade, o olho humano não sente a diferença entre o 4K e o 8K. É diferente: tem que ver com a perceção e aproxima-se daquilo que sentimos quando vamos ao teatro ou à ópera. Os testes foram feitos em 8K e projetados em 4K, uma vez que ainda não havia projetores 8K - como eles dizem, tínhamos encontrado o Super 4K.” Ou seja, um maravilhoso pesadelo técnico: “500 terabytes de informação!”O empreendimento adquiriu qualquer coisa de utópico. Simon Brook acabou por encontrar aquilo que procurava: “Descobri no Japão uma empresa que fabrica os únicos projetores 8K que, para já, existem. Contactei-os e, em julho, fizemos uma projeção do Mahabharata com um desses projetores - foi fantástico!”Os resultados eram tanto mais empolgantes quanto Mahabharata não é um blockbuster, antes um filme rodado em estúdio, com uma respiração dramática algo intimista. Daí o curioso paradoxo: “Quanto maior for o ecrã, mais intensa é a experiência dos espetadores. Também em julho, organizámos uma projeção na sala IMAX do British Film Institute, em Londres, que tem o maior ecrã do Reino Unido (com 25 metros de largura). Confesso que estava um pouco preocupado, já que o IMAX é normalmente utilizado para grandes produções de Hollywood, como F1 ou Superman. Receava que as falhas que pudessem existir fossem muito mais visíveis... Mas não! Não é verdade que os filmes mais intimistas se devam ficar pelos ecrãs mais pequenos - já temos uma nova projeção marcada para o BFI, em 2026, e esperamos interessar outras salas IMAX.” . A herança de Peter Brook é preciosa, até porque, há 40 anos, para ele não se tratava apenas de “transcrever” o espetáculo de Avignon. Nada disso: “A primeira razão para o meu pai transformar o teatro em cinema foi o seu gosto por realizar filmes. Aliás, legou-nos uma filmografia de uns quinze títulos - o seu sonho inicial era mesmo fazer westerns, à maneira de John Ford. De facto, decidiu começar a fazer teatro porque, na altura, não estava a conseguir financiamento para os projetos que tinha.”Será que o Mahabharata com imagens 8K poderá encontrar algum tipo de difusão no mercado português? Em salas IMAX? Para já, convém lembrar que, depois desta especialíssima sessão no CCB, a versão de seis horas do filme de Peter Brook (originalmente difundida como minissérie televisiva) ficará disponível na internet, no espaço da RTP Palco..Realismo em tom espanhol.'The Running Man'. O apocalipse está na televisão