Livros. Na órbita de uma nova ficção

Livros. Na órbita de uma nova ficção

O romance 'Orbital' de Samantha Harvey foi a surpresa do Prémio Booker. Descrição de um dia em volta da Terra na vida de seis astronautas.
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Samantha Harvey distanciou-se dos temas literários habituais e venceu a edição do Booker de 2024 com uma odisseia espacial.
Samantha Harvey distanciou-se dos temas literários habituais e venceu a edição do Booker de 2024 com uma odisseia espacial.

Orbital

Samantha Harvey

Vintage

138 páginas

A poucas semanas de chegar às livrarias a edição em língua portuguesa de Orbital, numa das chancelas do grupo Infinito Particular, pode dizer-se que há muita curiosidade em torno do romance vencedor do Prémio Booker de 2024. Orbital não faz parte das escolhas habituais deste prémio, tendo surpreendido pelo seu tema espacial. Não que esteja distante da realidade que alimenta outros romances escritos sobre a vivência humana sobre a Terra, mas o facto de se passar no interior da Estação Espacial Internacional transforma este romance numa das primeiras odisseias sobre um futuro extraterrestre além daqueles que utilizaram cenários de ficção-científica para dar vida aos personagens.

A história é simples: enquanto seis astronautas e cosmonautas dão sucessivas voltas ao planeta no curso de um dia, tendo direito a observarem nessa rota dezasseis nascer-do-sol e dezasseis pôr-do-sol, confrontam-se com a dupla situação pouco humana de estarem num ambiente onde nada é igual ao que deixaram e, no entanto, tudo o que se passa nas 136 páginas do romance raramente deixa de estar ligado à Terra e às vidas daqueles que continuam sob o efeito da gravidade.

O que terá motivado a autora, Samantha Harvey a embrenhar-se numa aventura literária tão pouco comum nos tempos que correm, em que as temáticas cíclicas sobre as crises provocadas através da existência das redes sociais inspiram a maioria dos sucessos publicados em livro? Percorrem-se as páginas e encontram-se as situações próprias de quem está muito distante da Terra, mas essas não dominam a narrativa. Tal como os romances pré-Tik Tok e similares, os que viviam de histórias ficcionadas ou a rivalizar com a realidade, Harvey dá a estes seis protagonistas muitas das mesmas angústias, desejos, vivências, questionamentos e pensamentos que são próprias da humanidade. Daí que, mesmo estando tão longe, os seus olhos se aproximem frequentemente das janelas da Estação Espacial e observem o que está a acontecer no planeta.

Não terá sido por acaso que Orbital recebeu de forma unânime o Booker, nem que o presidente do júri, Edmund de Waal, declarou a razão: “A nossa unanimidade em torno de Orbital reconhece a sua beleza e ambição. Reflete uma atenção extraordinariamente intensa em relação ao mundo precário que partilhamos”. Apesar de ser um romance fundamental para olhar de outro ângulo os perigos que se abatem sobre o planeta, nem a própria escritora esperava receber o prémio. Ao saber que Orbital vencera, confessou que “não esperava”. No discurso de agradecimento, dedicou um livro que não está dedicado a ninguém àqueles que “falam pela Terra e não contra, aos que defendem a dignidade humana, uma outra vida e a todos os que querem trabalhar em paz”.

Apesar de ser um dos livros premiados pelo Booker mais curtos, pelas suas páginas passam uma variedade de sensações que refletem a frase referida no discurso de agradecimento de Samantha Harvey, afinal o que os seis serem enviados para a órbita da Terra mais fazem é trabalharem por ela numa paz, mesmo que artificial devido à distância em que se encontram, e em prol do planeta. Como na situação em que questionam a dignidade humana daqueles que estão a ser sacudidos por um forte tufão e agem em função da sua salvação na medida em que o podem fazer de longe. Sem se desvendar a narrativa, o que Samantha Harvey concede aos seus personagens é o dom de não deixarem de ser humanos apesar de por algum tempo estarem distantes da sua anterior geografia. Durante essas órbitas dá-lhes tempo para executarem as suas tarefas e também cria um conjunto de reflexões sobre a existência, questões que acompanharão sempre qualquer ser humano onde quer que esteja, além de a visão à distância permitir introduzir assuntos mais atuais, como o das alterações climáticas.

Em declarações posteriores à atribuição do Booker, Samantha Harvey revelou que hesitou muito durante a escrita de Orbital. As perguntas que fazia eram: “Por que razão alguém na Terra quererá ler o que uma mulher escreve sobre o espaço e que imaginar o que é estar lá quando houve pessoas que lá estiveram? Que autoridade tenho para escrever este livro?” A recompensa pela teimosia em terminar um romance que foi adiado mais do que uma vez, em muito graças ao confinamento do Covid-19, veio com o Booker e a verba associada, que Harvey já decidiu gastar numa bicicleta nova e numa viagem ao Japão.

Três meses antes, numa entrevista publicada pelo próprio Booker, Samantha Harvey explicara o que estava na origem de Orbital: “Queria escrever sobre a presença humana na órbita terrestre no último quarto de século com realismo e não como ficção-científica. Os desafios a que me propus foi evocar a beleza a partir daquele ponto de vista, a fazê-lo com espanto e como uma espécie de pastoral espacial.” A crítica dividiu-se em aplausos ao assunto e cenário do romance, que poderia ser mais imaginativo e questionador, mas o júri achou o melhor livro em quase 180 romances que faziam parte da lista inicial. Orbital será, sem dúvida, uma experiência literária que iniciará muitos leitores na observação que podem fazer por si mesmos, se se colocarem no lugar dos tripulantes da Estação Espacial Internacional, e derem largas à imaginação.  

O TEATRO E A MULHER

A peça do dramaturgo norueguês data de 1879 mas mesmo assim continua a ser reeditada devido ao seu conteúdo revolucionário para a época e que ainda não perdeu atualidade no que respeita à protagonista Nora, a mulher que toma nas mãos o seu destino. Com um início em que as personagens não se exibem conforme realmente são, vai-se descobrindo os traços que inquietam o leitor até ao fim e o fazem questionar sobre o livre-arbítrio na vida.

CASA DAS BONECAS

Henrik Ibsen

Penguin Clássicos

184 páginas

DEZ IRREVERÊNCIAS

As dez histórias reunidas pelo autor galês datam de 1940, mas mesmo assim continuam a ser reeditadas. Descrevem os seus anos escolares e de início de vida adulta, em contos que revivem muitos dos episódios que lhe aconteceram. Como de Dylan Thomas espera-se tudo e o seu contrário, daí que estas memórias autobiográficas sejam interessantes para tentar entender um perfil que a morte cedo deixou por clarificar. Este Retrato foi o seu maior sucesso em vida, repleto de humor e irreverências.

RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM CÃO

Dylan Thomas

Penguin Clássicos

194 páginas

A CRUEZA COLONIAL

O jovem holandês Eduard Dekker viajou aos 18 anos num navio em que o pai era o comandante em direção à atual Indonésia (Índias orientais) e o que observou naquela sociedade jamais o abandonou, tendo escrito vários romances sobre a situação colonial a que aqueles povos eram sujeitos pelos impérios europeus. Dizem que este foi “o livro que matou o colonialismo”; se não teve esse efeito imediato, o que relata foi fazendo o seu caminho para chegar a esse objetivo.

MULTATULI

Max Havelaar

Penguin Clássicos

410 páginas

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