Livros do Ano 2023

Livros do Ano 2023

O que fica de tudo o que chegou às livrarias em 2023 e que se aconselha agora a amontoar a gosto, e a ir lendo, já livre da espuma dos dias.
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FICÇÃO EM PORTUGUÊS

A Vida Airada de Dom Perdigote
Paulo Moreiras
Casa das Letras

Após a estreia do autor, há 20 anos, com um romance no género, nota máxima para esta lapidada recuperação da novela picaresca, que inclui até apropriações de autores do Siglo de Oro. As memórias das peripécias cómicas do mui desenrascado e enrascado espadachim Perdigote até Valladolid, onde priva com Quevedo, El Greco e Cervantes e salva um comediante inglês, são coloridas com arcaísmos, cuja descodificação é também um divertimento.

A Mãe e o Crocodilo
José Gardeazabal
Companhia das Letras

Um homem vive com um crocodilo, deseja uma mulher e trabalha numa fábrica de reciclagem, num país centro-europeu, ex-fascista, ex-comunista e ex-industrial, onde agora chegam refugiados. Este é o enredo. Mas, Gardeazabal mantém o investimento sobretudo na sintaxe entrecortada, na experimentação semântica, nos quadros impressionistas, nas alegorias distópicas e atuais. Não resulta em leitura fácil, mas é um projeto trabalhoso e corajoso.

Salvar o Fogo
Itamar Vieira Junior
Dom Quixote

Segundo romance do premiado escritor baiano, lê-se como num embalo, comovente, esta memória familiar cruzada, testemunha da dureza da vida rural nos confins reais, noticiosos (e literários) do Brasil, num lugar esquecido por Deus, mas não, infelizmente, pela Igreja.

Dor Fantasma
Rafael Gallo
Porto Editora

Prémio José Saramago 2022, é um romance de personagem: um pianista misantropo e que perde a mão direita, mas não desiste de tocar uma peça intocável de Liszt. Destaque-se a, muito rara, opção por um protagonista em negativo, sem condescendência ou final feliz.

Infortúnios de um Governador nos Trópicos
Germano Almeida
Caminho

Segunda ficção histórica do escritor, oferece-nos o seu costumeiro humor jocoso apimentado pela veracidade do que relata: ou de como a traição da sua mulher com um jovem cirurgião fez João da Mata de Chapuzet, "um dos melhores governadores de Cabo Verde", perder a cabeça.

FICÇÃO ESTRANGEIRA

Refúgio no Tempo
Gueorgui Gospodinov
Relógio d'Água

Venceu os prémios Strega 2021 e Booker Prize 2023, é o terceiro e excelentíssimo romance do escritor búlgaro mais distinto da atualidade e valeu-lhe... a primeira tradução de ficção em português. É urgente traduzir-se a literatura centro-europeia, que vive um dos momentos mais importantes de questionamento histórico, identitário e humanista. Aqui, o passado europeu é encenado numa clínica para doentes de Alzheimer, onde se converte em praga distópica.

Os Meus Homens
Victoria Kielland
Dom Quixote

Recriação ficcional da vida de Belle Gunness (1859-1908?), a primeira assassina em série americana (natural da Noruega), esta segunda ficção da norueguesa Victoria Kielland (n.1985) é um portento de originalidade. A ação é cronológica, todavia segue a imprevisibilidade da expressão interna da alienação criminosa, enquanto invade um corpo. Quase sem sangue, sem os artifícios habituais do thriller, este livro mete medo de tão bom.

Lições de Grego
Hang Kang
Dom Quixote

Quarto romance da autora coreana, acompanha um professor de Grego a perder a visão e uma aluna a perder a voz, e é uma depuração poética do uso da elipse na ficção e uma proposta de reflexão poderosa sobre a contemporânea cisão entre corpo e mente. De novo, surpreendente.

A Estrela da Manhã
Karl Ove Knausgård
Relógio d'Água

Original de 2020, primeiro volume de uma pentalogia. A trama, enigmática, assenta em fenómenos inexplicáveis e nos seus efeitos reais nas nossas vidas. Pela primeira vez nos livros do autor norueguês, não há nenhuma personagem chamada Karl Ove, o que se aplaude.

Confiança
Hernán Díaz
Livros do Brasil

De quanta efabulação se compõe a história de cada um e a história coletiva? Na sua segunda ficção, o autor argentino responde com um notável quebra-cabeças (novela, manuscrito autobiográfico, memória e diário), centrado no meio financeiro de Nova Iorque em 1920-30.

POESIA

Poetas do Amor, da Revolta e da Náusea
Mário Cesariny
Assírio & Alvim

Estava inédito há quase 50 anos este mergulho antológico de Mário Cesariny, por corte, colagem ou recriação, na literatura portuguesa do séc. XII ao séc. XX. O projeto data de pouco após o 25 de abril, esteve para ser espetáculo de teatro, cunhou-se "espetáculo-filme" e resultou nestas páginas de poemas, prosa e dramaturgia, com exaltação ainda vívida. A edição é de Fernan- do Cabral Martins, com colaboração de Luis Manuel Gaspar.

Novos Poemas
Rainer Maria Rilke
Assírio & Alvim

Primeira edição integral da obra de maturidade do poeta alemão (1875-1926), em parte traduzida por Paulo Quintela nos anos 40 e 60. Para Maria Teresa Dias Furtado, que assina esta tradução, Rilke, aos decidiu, aos 30 anos, demorar o olhar. "Baniu toda a espécie de subjetividade e dirigiu-se para o mundo das coisas, orientando-se mais pela escultura". Daí, defende, os poemas passarem a inéditas "figuras" linguístico-estéticas. A descobrir.

Poesia Completa
Roberto Bolaño
Quetzal

"A poesia é mais corajosa do que ninguém", dizia o autor das admiráveis ficções 2666 ou Os Detetives Selvagens. Transbordante nos temas e nos registos, o seu génio poliédrico manifestou-se também na poesia, agora toda traduzida para português, por Carlos Vaz Marques.

Despedida: Poema em Tempos de Vírus
Cees Nooteboom
Alambique

"Ainda marcado por essa mesma guerra,/ saiu com um sonho por esse mundo fora/ que não era o mundo, reencontrou-se/ no meio dos outros como um desconhecido." Poesia a conhecer, como toda a obra deste autor holandês (n. 1933). A tradução é de Ana Maria Carvalho.

Os Cães Ladram Facas
Charles Bukowski
Alfaguara

Antologia poética com tradu- ção de Rosalina Marshal, seleção, organização e prefácio pelo escritor Valério Romão. A radical obediência do autor norte-americano ao repúdio da ordem e da convenção resulta em dispersos, mas ainda desarmantes e radicais, efeitos de chiaroscuro.

ENSAIO

Um Dia na Vida de Abed Salama
Nathan Thrall
Zigurate

Via-sacra de um pai palestiniano que tenta resgatar o filho de cinco anos, desaparecido após um acidente rodoviário nos arredores de Jerusalém, e rede de histórias de outras pessoas nele envolvidas. Esta anatomia de uma tragédia, primeiro relatada pelo autor, ensaísta e jornalista judeu americano, em 2012, num artigo na The New York Review of Books, evidencia o caráter labiríntico e infernal do conflito israelo-palestiniano. Comprova também a nobreza do melhor jornalismo.

As Causas do Atraso Português
Nuno Palma
Dom Quixote

Anunciou-se com propósitos desmascaradores, este ensaio sobre a história da economia portuguesa. Nele, Nuno Palma, economista, historiador e professor da Universidade de Manchester, defende, por exemplo, que os Descobrimentos não nos enriqueceram, Pombal foi o nosso pior gestor ou que "a mentira mais comum do regime atual é a de que a culpa do atraso deve ser impugnada ao Estado Novo". Destaca-se pela sadia desfaçatez e convite ao debate.

O Sonho de Ulisses-Mediterrâneo: da Guerra de Troia aos pequenos barcos de imigrantes
José Enrique Ruiz-Domènec
Temas e Debates

Os limites do Mediterrâneo talvez nem existam; só sejam testados pela força dos encontros e desencontros de toda a ordem impulsionados pelas suas águas. É oportuníssima esta crónica soberba da história e herança mediterrânica, escrita com primor por um académico espanhol.

Capitalismo e Pulsão de Morte
Byung-Chul Han
Relógio d'Água

Sustentação, em 120 páginas, de que é impossível, hoje, pensar-se no capitalismo neo-liberal sem considerar o seu efeito social destrutivo, logo, um potencial instinto de morte. O libelo é contestável, mas já não se pode ignorar o impacto das ideias deste que é o filósofo-do-momento.

O Mundo Livre
Louis Menand
Elsinore

História cultural da Guerra Fria do lado de cá da Cortina, arrumada em vinhetas biográficas de protagonistas. Com o selo de qualidade de um académico e colaborador de longa data da New Yorker, autor de uma também hercúlea história intelectual dos EUA, Pulitzer em 2002.

CLÁSSICOS

Peregrinação
Fernão Mendes Pinto
Assírio & Alvim

Edição integral a partir das duas versões da edição prínceps de 1614, com introdução, fixação e notas de Sérgio Guimarães de Sousa. Empolgante livro de viagens, incríveis mas não inverosímeis, Peregrinação é uma joia nacional literária, mas também como antídoto contra-epopeico. Ainda choca pelo contraste entre a ambição, rudeza e violência dos portugueses e a humanidade e superioridade cultural dos povos que sujeitaram e exploraram.

Gargântua & Pantagruel (2 Vols.)
François Rabelais
E-Primatur

Primeira edição integral portuguesa da pentalogia de Rabelais [Pantagruel (c.1532), Gargântua (1534), Terceiro Livro (1546), Quarto Livro (1552) e Quinto Livro (c.1564, ed. póstuma)], com ilustrações de Gustave Doré e tradução pelo poeta Manuel de Freitas. As histórias da ascendência e aprendizado do gigante Pantagruel tratam de rir, comer e pensar, são comédia escatológica e paródia filosófica, expõem o mundo às avessas. A ler! A ler!

Meditações
Marco Aurélio
Penguin

Ao lixo os livros de autoajuda, leia-se Marco Aurélio! Assim, com exclamação, página a página, pois são preciosas as notas-conselhos que o imperador-filósofo romano do séc. I d.C. escreveu para si próprio. Apelam à retidão, à disciplina, à escuta da natureza verdadeira e do poder interior. Surpreendem pela nobilitação do exercício do poder. Esta é a primeira tradução portuguesa a partir do grego e assina-a Rui Carlos Fonseca.

Poesia Completa
Horácio (trad. Frederico Lourenço)
Quetzal

Primeira edição completa, desde o séc. XVII, da obra toda do príncipe dos poetas e poeta dos príncipes romanos. Enigmático, multíplice, Horácio satirizou os costumes, pregou o bom-senso e a moderação (Aurea mediocritas), a fruição do aqui e agora (Carpe diem), teorizou a arte poética. A tradução e comentários de Frederico Lourenço facilitam a que nos aproximemos da vontade do poeta de nos interpelar livre e vivamente.

Ensaios e Cartas Escolhidas
Friedrich Hölderlin
Imprensa da Universidade de Lisboa

Com introdução e tradução de Bruno C. Duarte, colige ensaios e estudos do filósofo, poeta e romancista alemão, apresentados, lado a lado, com a correspondência com figuras como Hegel, Schelling e Schiller, testemunhando a ligação ao seu tempo e a produção de toda a obra.

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