Em 38 anos, o Prémio Pessoa, que reconhece personalidades com papel significativo na vida cultural e científica do país, distinguiu apenas dois ficcionistas e homens: José Cardoso Pires (1997) e Mário Cláudio (2004. É Lídia Jorge, a vencedora da 39ª edição do Prémio promovido pelo Expresso e CGD quem o sublinha: “Por tudo isso, eu sinto uma grande alegria, sinto como se o prémio não fosse só para mim, mas fosse para a comunidade literária, para as mulheres da literatura e para as mulheres que têm também uma voz cívica, que não se calam e que falam, que não têm medo de dizer as palavras que lhe vão na alma”, diz a escritora ao DN. Lídia Jorge, acabada de regressar dos Açores, cuja universidade lhe atribuiu esta quarta-feira o doutoramento Honoris Causa, diz que não estava à espera. “Para mim foi surpreendente e, sendo o prémio que tem como patrono o nome de Pessoa, é um prémio com uma dimensão simbólica imensa. É o grande poeta modernista do século XX e termos um prémio com esse nome, com o nome do nosso poeta modernista maior, é, de facto, uma honra só por si”.Lídia Jorge afirma que é uma distinção que lhe “toca profundamente ”, apesar de ela ser uma das romancistas portuguesas mais premiadas nacional e internacionalmente. É autora de uma vasta e diversificada obra literária, que começou com O Dia dos Prodígios (1980) e se alargou a títulos como O Cais das Merendas (1982), Notícia da Cidade Silvestre (1984), A Costa dos Murmúrios (1988) e, mais recentemente, a Estuário (2018) e Misericórdia (2022). Só este último livro, editado pela Dom Quixote, recebeu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio Urbano Tavares Rodrigues, o Prémio do PEN Clube Português, o Prémio Fernando Namora e o Prémio Médicis Estrangeiro, em França, em 2023.“A obra de Lídia Jorge incide sobre um espetro muito amplo de temáticas, desde o impacto de situações vivenciais extremas nos seus personagens à recriação de contextos que evocam momentos históricos decisivos da vida portuguesa do último século, em particular no período pós-25 de Abril, como a descolonização, a transição da ditadura para a democracia, a exclusão social e a emergência de novos fenómenos de discriminação e fratura social”, descreveu o júri do Prémio.Presidido por Francisco Pedro Balsemão (Impresa) e Paulo Macedo (CGD) e constituído por Ana Pinho, Ana Tostões, António Barreto, Diogo Lucena, Emílio Rui Vilar, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques”, o júri destacou como “a sua escrita criativa e diversificada tem sido capaz de revelar o poder da literatura para nos ajudar a compreender os grandes desafios do mundo contemporâneo e a sua intervenção cívica corajosa tem contribuído decisivamente para enriquecer o debate democrático na sociedade portuguesa”.Lídia Jorge contrapõe: “Não reivindico nenhum tipo de coragem especial. Digo-o com naturalidade. Em toda a minha vida disse sempre o que pensava e felizmente que tenho vivido a maior parte do tempo em democracia, onde isso não é punido. Quando vivemos em democracia é fácil dizermos o que pensamos”, diz ao DN. “Mesmo assim, há que compreender que quem se expõe é sujeito à crítica, às vezes ao desamor, ao desentendimento. E, para isso, é preciso ter força, ter ânimo e acreditar que a sua perspetiva se aproxima do lado certo”, acrescenta. Conselheira de Estado desde 2021, ainda no verão deste ano, nas comemorações do 10 de Junho, em Lagos, sublinhou, numa altura em que a extrema-direita e o discurso anti-imigração ganham terreno em Portugal, que “aqui ninguém tem sangue puro. A falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade. Cada um de nós é uma soma”. Nessa intervenção no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, que deu muito que falar, Lídia Jorge termina a dizer, inspirada no poeta, “que um ser humano é um ser de resistência e de combate. É só preciso determinar a causa certa”. Ao DN diz que hoje ainda diria mais: “Se voltasse a fazer esse discurso, demoraria mais um bocadinho, e ele já foi longo, mas ainda tornaria essa ideia mais explícita, e ainda a abriria mais para os jovens, porque interpelaria diretamente os jovens para dizer isso, que escolham o lado certo, que é o lado da humanidade, não é o lado da desumanidade.”Quando se lhe pede que mensagem gostaria de deixar neste dia em que é anunciada como vencedora do Prémio Pessoa 2025, aponta para o princípio do poeta e dramaturgo T.S. Eliot: “Quando o mundo está em desagregação, o que é importante é que cada um faça o melhor possível no sítio onde está. Que esse seja o lema das pessoas que neste momento se encontram sozinhas, que estão a descrer na harmonia do mundo. É o que nós devemos dizer uns aos outros neste momento. Que se cada um fizer com coragem e com convicção o melhor possível à sua volta, que a esperança vai continuar”. .Escritora Lídia Jorge vence Prémio Pessoa.Lídia Jorge, o ano de todos os prémios