La Hija. Prova de bom gosto do suspense espanhol
O cinema espanhol parece ser uma prioridade este ano no festival. A fornada de 2021 assume-se como prova de vitalidade de um país que tem uma indústria e um público devoto, mas também tem já um know-how para contar histórias com os tempos de cinema. Sim, mais do que o cinematografia francesa, alemã ou de outros lugares da Europa, os espanhóis parecem ter aperfeiçoado a arte narrativa no chamado cinema com ambições comerciais. Ontem passou na seleção oficial La Hija, de Manuel Martin Cuenca, thriller dramático que é um aditamento a essa ideia. Ao mesmo tempo, é um exemplo clássico de fusão com uma ideia de arte cinematográfica, neste caso com um jogo de cintura capaz de envolver as regras do filme de suspense. São três atos que remetem também para um desejo de homenagem explícita ao cinema de Claude Chabrol.
Filme poderoso, de uma complexidade de registos total e apoiado num guião que coloca o espetador em plena zona de desconforto. Rodado na bela região da Andaluzia de Jaén, apresenta-nos três personagens centrais: um casal que não pode ter filhos, Javier e Adela, e uma jovem adolescente chamada Irene, grávida e com um acordo: fugir temporariamente do centro de detenção onde Javier é o tutor dos menores para dar à luz na casa isolada do casal. O objetivo é com este acordo fazer de Irene uma barriga de aluguer. Mas, aos poucos, tudo se complica - a rapariga começa a ficar com dúvidas, um polícia veterano suspeita de Javier e, pior de tudo, o namorado de Irene reaparece em cena.
DestaquedestaqueFilme poderoso - rodado na bela região da Andaluzia de Jaéniat -, de uma complexidade de registos total e apoiado num guião que coloca o espectador em plena zona de desconforto.
Embrulhado com uma tensão cirúrgica, La Hija muitas vezes funciona como uma casa de horrores disfarçada de normalidade. Cuenca aplica um subtexto de "filme de género" para filmar uma normatividade com um segredo maligno e põe personagens com as quais nos identificamos a fazer os atos mais hediondos. Uma dissimulação moral que era o núcleo duro dos filmes de Chabrol e que aqui é igualmente posta em prática com uma lentidão que às vezes parece perra mas que no fim ganha um sentido lógico. Mais um bom filme espanhol num festival que poderia e deveria ser uma chamada de atenção aos nossos distribuidores para olhar para este cinema de uma outra forma. Cada vez mais, a lista dos bons filmes espanhóis que não chegam a Portugal vai aumentando e, com isso, nomes como este Manuel Martin Cuenca se tornam desconhecidos. É pena...
Como curiosidade, o filme é dedicado à memória de José Maria Riba, programador e crítico de cinema, um dos membros do comité do então Lisboa & Estoril Film Festival. La Hija iria gelar de medo este encantador homem da Sétima Arte. E como ele iria gostar disso...
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