Kusturica e a sua orquestra arrasam no encerramento do LEFFEST
Aquilo que se viu e sentiu no Olga Cadaval no último sábado foi qualquer coisa de muito revigorante. Uma plateia quase toda de pé a dançar ao ritmo acelerado da música da famosa banda de Belgrado, que, como disse Emir Kusturica no início, estava ali para transportar o público da realidade para a ficção. Mas antes de se fazer cinema com instrumentos musicais, foi Paulo Branco, o diretor do Lisbon & Sintra Film Festival, quem subiu ao palco para encerrar a sua 15ª edição, que este ano teve como linha temática a celebração da cultura Rom - um vídeo de resumo das várias sessões, conversas, exposição e concertos ao longo do festival, mostrou como foi rica essa celebração. De seguida, o júri, composto pelo próprio Kusturica, Dolores Chaplin (neta de Charlie Chaplin), a realizadora Maria Speth, a poetisa Ana Luísa Amaral e o escritor e Nobel da Literatura J.M. Coetzee, anunciou os prémios.
Por coincidência, à semelhança da edição de 2020, foi uma produção indiana que venceu o galardão de melhor filme LEFFEST: A Night of Knowing Nothing, de Payal Kapadia, é um documentário que não é bem um documentário, mas um registo poético da Índia contemporânea a partir de um dispositivo epistolar. Já o Grande Prémio do Júri foi para o mexicano La Caja, de Lorenzo Vigas, o realizador de À Distância, esse um drama protagonizado pelo ator de Larraín, Alfredo Castro, que passou pelas salas portuguesas em 2018. La Caja centra-se num jovem que, depois de ir ao encontro dos restos mortais do seu pai, descoberto numa vala comum, se depara com um homem muito parecido com ele. Mais um filme entre o poético e o político, como sublinhou Ana Luísa Amaral, quando lhe atribuiu também a menção honrosa pelo argumento.
Nessas menções honrosas, que, para além do argumento, distinguiram interpretações e fotografia, o destaque vai para Samet Yildiz, o pequeno ator de Brother"s Keeper, de Ferit Karahan, filme que observa os acontecimentos de dois dias num internato masculino nas montanhas geladas da Anatólia. Uma das produções mais minimalistas da competição, que mostra a angústia de um miúdo a tentar ajudar um amigo doente num lugar onde os adultos aplicam castigos rígidos mas ignoram uma emergência... O que aconteceu na noite anterior? É esse mistério que Karahan vai revelando a conta-gotas, num filme sem artifícios cuja baixa temperatura se cola aos ossos. Uma bela surpresa que já está adquirida pela Leopardo Filmes para se estrear por cá.
Tratando-se da 15ª edição do LEFFEST, Paulo Branco fez questão de premiar também a sua equipa de trabalho, isto antes de entregar a Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra as rédeas do espetáculo, para acabar a noite em grande na sala do Centro Cultural Olga Cadaval. E o mínimo que se pode dizer é que a festa foi linda. O realizador de Gato Preto, Gato Branco começou por dizer que era permitido ao público levantar-se do lugar e dançar livremente, repto que teve efeito imediato, com uma concentração de pessoas a abanar o corpo em frente do palco. Entre temas como Cerveza, Comandante e outros das bandas sonoras dos seus filmes, o cineasta sérvio e os seus companheiros animaram a noite como se não houvesse pandemia. Estávamos todos de máscara, mas é como se não estivéssemos. Foi o encerramento perfeito de um festival com alma cigana. Sem dúvida o mais festivo possível numa altura em que volta a pairar o fantasma das restrições.
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