Jodie Foster num previsível inferno de Guantánamo

Enquanto hoje se anuncia o palmarés, a Berlinale prossegue com <em>O Mauritano</em>, viagem aos infernos da tortura americana em Guantánamo pós-9/11. Destaque ainda para <em>All Eyes off Me</em>, estudo observacional da juventude israelita.
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Era o filme que mais poderia fazer pela passadeira vermelha no Palast da Postdamer Platz. O Mauritano, de Kevin Macdonald, tinha tema e estrelas: a questão da violação dos direitos humanos dos prisioneiros de Guantánamo por parte da administração Bush e nomes como Tahar Rahim, Shailene Woodley. Zachary Levi, Benedict Cumberbatch e Jodie Foster, esta última vencedora com surpresa do Globo de Ouro de melhor secundária. Nesta encarnação digital, esta "história verdadeira" é ainda assim um dos trunfos fortes da programação da Berlinale Speciale, destinada a filmes de maior impacto comercial. The Mauritanian tem estreia marcada em Portugal para o momento em que salas reabram.

Mas se antes este tipo de filmes chegava à Berlinale e pressupunha discussão polémica, neste caso adivinha-se alguma credulidade. Para já, a organização dispensou as conferências de imprensa, mesmo à distância. Os filmes desfilam no sistema de visionamentos digital de forma algo anónima e sem uma espécie de acompanhamento pelo festival, embora no caso do filme de Kevin MacDonald se sinta uma certa fadiga na denúncia do verídico, neste caso a detenção injustificada de um suspeito dos atentados de 11 de setembro de 2001 (9/11) - Mohamedou Slahi, um jovem engenheiro mauritano que foi vítima de uma perseguição errónea dos serviços secretos americanos por ter atendido uma chamada do primo que lhe ligou de um telefone de Bin Laden. Slahi foi preso na Jordânia, levado para o Afeganistão e torturado em Guantánamo. Um processo que se arrastou durante 14 anos sem nenhuma acusação oficial e provas do governo norte-americano. Um escândalo descoberto por uma superadvogada que no começo duvidou da sua inocência. O filme é baseado na própria história deste inocente que expôs o seu caso no The New York Times.

MacDonald põe o carro à frente dos bois na tese da denúncia grave e séria e esquece-se de ser fresco na abordagem da exposição dos factos, coisa que o também recente O Relatório, de Scott Z. Burns (na Prime Video e sucesso nos festivais TIFF e Sundance), conseguia com outro impacto e sem os efeitos de câmara com ângulos tão esquisitos como desnecessários. Jodie Foster e Tahar Rahim são terrivelmente competentes mas O Mauritano não se livra de ser uma desilusão completa, acabando com imagens do verdadeiro mártir e dando-se ao espectador a sensação de que no documentário poderia estar o ganho...

Enquanto isso, no Panorama passou uma pequena pérola israelita, All Eyes off Me (também conhecido como Day Old Butterfly, conforme o dossiê de imprensa), de Hadas Ben Aroya, um olhar feminino sobre uma certa independência sexual na Telavive dos nossos dias. Três histórias onde se discutem formas de exposição das nossas frustrações sexuais. Tem uns ares de estudo sociológico sobre millennials e reflete sobre os atuais contos de loucura normal, seja através do impacto dos vídeos no Youtube, seja numa experiência sexual radical fútil. Cinema jovem e estimulante a captar a intimidade destes dias, sempre ao sabor de um desencanto eminentemente israelita.

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