Descreva-nos a sua infância. Sem ter muito, mas também sem faltarem as coisas essenciais. Muitas das vezes os nossos pais têm de fazer sacrifícios. Às vezes não comiam, só para que eu não conseguisse perceber o que é que estava realmente a acontecer. Mas tive a oportunidade, tive mesmo uma vida boa. Eles sempre lutaram para dar-me tudo. E tive muitos amigos. Amigos que são de longa data. Amizades que começaram há muitos anos e ainda continuam até aos dias de hoje. São família, neste momento, até. E acho que a minha infância foi isso: rodeado de muito amor, muita família e muita gente batalhadora..Estudou Tecnologias da Música na Escola Superior de Música. Quando e como surgiu este amor? O amor à música começou muito cedo. Em criança já adorava cantar e era muito religioso na altura. Então, ia à congregação e cantava os cantos bíblicos. Foi ali que tive a primeira interação com a escrita musical e comecei, por exemplo, a ler partituras. Acho que a igreja, muitas das vezes, acaba por conseguir puxar os jovens para a música. E, sem dúvida, esse foi o meu caso. Depois, com o passar do tempo o interesse não desapareceu, pelo contrário, foi aumentando e tornei-me um autodidata. Pedi aos meus pais e eles compraram-me uma guitarra para aprender a tocar. E, mais tarde, descobri que dava para fazer música no computador, sem sequer ter instrumentos. Fui descobrindo tudo isso até chegar aos dias de hoje..E a religião? Que lugar ocupa na sua vida neste momento? Ainda tem o seu lugar. Não sou praticante, não vou à congregação, mas continuo a ler a Bíblia. Na realidade voltei a ler a Bíblia, estou outra vez no início, porque já há algum tempo que não pegava no livro. E está a saber bem lembrar como é que aquela mensagem se aplica na nossa vida. E, sem dúvida, acredito em Deus, que está em mim e nas pessoas que me rodeiam. Na minha vida sinto a presença de Deus. .Na canção que partilha com António Zambujo, Conversa, fala da paternidade. Como é que está a ser essa experiência? Fantástica. A Miriam já está a dizer papá e mamã. É toda uma nova experiência. Faz-me olhar muito para dentro de mim e tentar perceber que tipo de pessoa quero ser. Porque eu sei que ela vai perceber isso. Então estou a olhar para as minhas decisões, para a minha vida, com muito mais cuidado. Penso muito melhor como é que o mundo me vai ver, porque sei que a minha filha também vai fazer parte disso. Estou também a aproveitar para desfrutar destes primeiros momentos, vê-la a descobrir o mundo, a dizer as primeiras palavras, a começar a gatinhar, essas coisas todas..E tem sido difícil lidar com a estrada ao mesmo tempo? Tem. Não vou dizer que é fácil, mas ao mesmo tempo sinto-me abençoado. Sei que tenho de viajar e passar, às vezes, alguns dias fora, mas depois quando chego a casa e vejo que está tudo bem, que ela está tranquila e descansada, isso aquece-me o coração e o cansaço fica noutra parte..O seu novo álbum tem 21 canções e começou a ser pensado em 2021. Mas só foi lançado agora em 2024. Qual é que foi a estratégia em volta deste longo período? Acho que foram estratégias. Porque apanhei tempos diferentes para a música, para a cultura em si. Por causa da pandemia, apanhei a adaptação das pessoas a toda essa situação. E eu próprio sinto que também estava a descobrir como é que eu me adaptaria, qual era a melhor maneira de continuar. Mas estou satisfeito, sem dúvida..Ivandro passou por 'Ídolos', 'Got Talent' e até pelo 'Festival da Canção' do ano passado, mas foi nas ondas do 'streaming' que melhor soube vogar e construir o seu nome e arte. FOTO: Afonso Batista..Disse numa entrevista que “a travessia é a batalha que todos nós travamos, a batalha de nos conhecermos a nós próprios”. O que é que aprendeu sobre si próprio? Aprendi que não tenho de estar sempre bem. Aprendi que tanto é normal quando nos sentimos mal, como quando nos sentimos bem, que tudo isso faz parte da vida. E que conhecendo-me melhor, estou ao mesmo tempo a conhecer o outro e, assim, tenho mais facilidade em perceber que nem sempre as pessoas fazem as coisas por mal. A vida são altos e baixos. Tento sempre lembrar-me disso todos os dias, quando estou a interagir com as pessoas, a falar com elas, seja qual for o episódio, um mais feliz ou um mais triste. Tento lembrar-me que eu também sou assim e que é importante tentar ter esse equilíbrio na vida..Há alguma coisa que tenha ficado por dizer? Acho que há sempre muita coisa que fica por dizer. Mas acho que o meu caminho tem sido interessante e que tenho uma história para contar que não vai só passar pela música. Penso, talvez, um dia, escrever um livro. Ou fazer uma curta-metragem. Algo que consiga mostrar mais a minha história. Porque passei de ser um sonhador, a estar no meu quarto a sonhar com os meus amigos, para os ver a realizar os sonhos deles e a concretizar os meus. Acho que é importante mostrar isso aos jovens, a todos os que estão em casa a questionar-se se devem arriscar ou não, para perceberem que vale a pena..Em 2022 foi o artista português mais ouvido no Spotify. Sente muita pressão relativamente a números? Não. Sinto mais pressão em tentar ser o melhor. Todos os dias. Essa é a única pressão que eu diria que levo para o estúdio. Tentar chegar ao estúdio e sair de lá a sentir que estou melhor do que ontem..A sua primeira publicação no Instagram tem a data de 21 de junho de 2014. E a legenda da imagem diz: “Trabalhar num sonho.” E agora? Quais são os seus sonhos e os objetivos daqui para a frente?.Este álbum, assim como a mensagem que eu quis deixar às pessoas, ajudou-me a crescer. Por outro lado, quem ouvir estas músicas talvez possa entender melhor o seus próprios problemas, aqueles que encontramos quando estamos a crescer, tanto pessoais como relacionados com outras pessoas. Hoje sinto que estou noutra fase de vida, mas ao mesmo tempo continuo a tentar buscar o que sentia antigamente, quando sonhava tão alto ao ponto de as pessoas ao meu lado, quando me ouviam, acharem que talvez eu pudesse ser maluco. Hoje tenho imensos sonhos graças às oportunidades que tive. Gosto de pensar que vou começar uma nova fase, ter um ponto ao qual quero chegar, mas sem saber exatamente o caminho para chegar a ele..O que é que podemos esperar da sua atuação no Festival F (5 a 7 de setembro, em Faro)? Este festival tem algum significado especial para si? Tem sido uma história, tenho crescido no Festival F eles apanharam-me em várias fases de carreira. Apanharam-me na altura em que finalmente comecei a pisar palcos, que foi com o Bispo como back vocals, quando cantei com ele num dos palcos secundários do Festival F. Depois tive a oportunidade de ser eu a cantar no Festival F e agora vou estar lá no palco principal, por isso, estou ansioso e acho que vai correr bem. Como sempre correu.