A história de duas irmãs deu um livro a pensar nas crianças surdas
A capa de Irmã, ouves o azul profundo do mar? é diferente pois tem sete furos no papel. A explicação é simples, são as bolhas de ar da respiração da menina que mergulha nas águas do mar. Após a capa, as diferenças continuam, quanto mais não seja porque esta é a história de duas irmãs que não são iguais em tudo: uma ouve e a outra é surda.
O objetivo deste álbum que chega às livrarias editado pela Lello é referir a ausência de um sentido, o da audição, de um modo inclusivo e nasceu da perceção da autora, Gilda Nunes Barata, ao aperceber-se da questão que afeta muitas pessoas. Daí que o álbum, destinando-se a todos, público ouvinte e não, tem um suporte digital com a língua gestual portuguesa a narrar a história. O que para a autora será "mais um contributo para uma inclusão natural, otimista, descontraída e sem preconceitos de ambas as partes."
O título do álbum não é o normal neste género de literatura infanto-juvenil porque a autora pretende dar ênfase a um outro sentido que os surdos possuem, o da visão: "Há uma espécie de trocadilho e de jogo de linguagem em que se pergunta a uma irmã se ela ouve o azul profundo do mar, porque certamente o vê e sabe o que é o azul profundo." Este título, explica, remete para as duas irmãs que existem na história, uma ouvinte outra surda, e a que coloca a questão "deseja que valorizemos a visão que existe no surdo, um sentido que está muito apurado".
Também tem a esperança de que com este livro, acrescenta Gilda Nunes Barata, "que os surdos e os que se isolam em muito devido a essa situação, uma característica muito típica da comunidade surda, partam em busca de uma resposta e que aconteçam respostas de outras pessoas".
Para Gilda Nunes Barata, "pode dizer-se que o livro tem como intenção tratar a questão da surdez através da diferença entre as duas irmãs, explorando sempre os aspetos muito positivos que existem na vida quotidiana e no conhecimento do mundo e da própria vida como um dom". Por isso, diz, "ao longo do texto, todas as metáforas indicam de alguma maneira que as duas irmãs nutrem um grande afeto, o que é muito importante que aconteça entre familiares ou através de qualquer pessoa".
O livro, refere, "não quer afunilar mas ser abrangente e mostrar que a surdez deve ser tratada de uma forma em que a própria infância seja vivida com muita felicidade e existam momentos de um encontro profundo entre os que se amam ou se encontram independentemente de um défice".
O bom casamento entre o texto e a ilustração é notório ao ler-se este álbum. Como aconteceu o processo de elaboração de Irmã, ouves o azul profundo do mar? é a pergunta que surge. "Primeiro escrevi o texto, porque senti-me profundamente inspirada pela leitura de um livro em inglês que encontrei na Livraria Sá da Costa, com umas ilustrações a carvão, em que esta questão da surdez também era tratada", diz a autora. Depois, acrescenta, "A leitura criou em mim um momento de comoção e escrevi logo a história. Em seguida entrei em contacto com a Associação Portuguesa de Surdos porque queria ter a sua aprovação. Era um ponto essencial desde o início saber se o que escrevi fazia ou não sentido. Depois, a Livraria Lello juntou-se ao projeto com muito entusiasmo e em seguida o ilustrador, José Manuel Saraiva, elaborando as ilustrações com muita beleza como se pode ver nas páginas, através de uma capacidade de sonho e de cromatismo muito particular."
Esta história destina-se a todos os leitores segundo a autora e o que deseja é "fazer o leitor refletir de modo a que se reconsiderem certos conceitos e preconceitos" e que as "crianças que têm problemas a que se chama deficiência se sintam mais incluídas e conscientes do seu valor no mundo".