Um filme sobre o sexo dos anjos

Protagonizado por Claire Danes e Jim Parsons,<em> Uma Criança como Jake</em> é um drama contemporâneo em torno dos desafios da parentalidade. Jake é um menino especial. Em estreia esta semana.
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Há quanto tempo não víamos Claire Danes, em pleno, na grande tela do cinema? Nem vale a pena fazer as contas. Sinalizar esta longa ausência serve apenas para dizer que, através da sua presença em Uma Criança como Jake, se percebe a falta que fazia... Pois bem, a atriz, cuja personagem na série televisiva Segurança Nacional tem criado raízes, volta à amplitude do ecrã - e é preciso sublinhar o facto - com uma energia dramática digna da complexa "tarefa" que lhe dá o filme de Silas Howard: representar uma genuína mãe moderna, com todas as ansiedades do modo de vida contemporâneo, que largou a carreira de advogada para se dedicar ao filho.

Jake, a criança do título, é um menino de quatro anos, tal como se ouve dizer, "especial". Porquê? Segundo os pais, pela sua grande criatividade. Mas há um detalhe nessa criatividade que parece não ser objeto de muita atenção por parte dos adultos: Jake gosta de se mascarar de princesa, praticamente todos os dias. E o seu quarto, conjugado com esse imaginário dos clássicos da Disney, tem tudo para se confundir com um reino encantado onde ele se refugia dos perigos exteriores. Nesse lugar aconchegante e cheio de texturas, vemo-lo a brincar com a mãe sem quaisquer barreiras sobre o que é "de menino" e o que é "de menina". Porém, esta inocente inconsciência do que define o padrão das brincadeiras dos meninos começa a fazer-se sentir fora do cosmos do quarto. E é nesse momento que o olhar da sociedade se cruza com a dimensão da intimidade.

Uma​​​​​​​ Criança como Jake é um pequeno drama que articula bem estes dois universos, procurando fazer a anatomia de uma crise da parentalidade face a uma situação inesperada. Na verdade, o foco que se coloca sobre o comportamento invulgar de Jake só acontece porque o menino está em vias de transitar do jardim-de-infância para uma nova escola - que os pais querem que seja do ensino privado - e o complicado processo da inscrição traz à tona a realidade até aí silenciosa. Tão silenciosa que nem o pai da criança (Jim Parsons), mesmo sendo psicólogo de profissão, se tinha apercebido...

No meio desta dinâmica de adultos, em que também se insere, como conselheira e amiga, uma professora do jardim-de-infância (a sempre impecável Octavia Spencer), Jake acaba por ser apenas um nome que circula de boca em boca, sendo visto em breves lampejos nas suas correrias pela casa, como o vulto de uma pequena fada. Assumindo-se como não problemático esse ângulo do realizador - que já vem da peça teatral de Daniel Pearle, na base do filme -, o que se sente falta aqui é de um endurecimento cinematográfico. Um realismo mais áspero, menos bem-comportado. Digamos que, excluindo a robusta interpretação de Danes, a justeza de Spencer, e mesmo a adequação de Parsons (apesar de ser difícil desligarmos da sua personagem de A Teoria do Big Bang), fica a simplicidade da linguagem formal, quase televisiva, que não deixa o registo crescer para algo mais profundo e subtil. Ou seja, para qualquer coisa à medida de um realizador como Ira Sachs (Homenzinhos), por exemplo. E ainda assim é compreensível que tal aconteça, uma vez que Silas Howard tem feito caminho essencialmente em realização de séries televisivas.

Acima de tudo, não precisamos de recear Uma Criança como Jake enquanto filme-tema que é (neste caso sobre a disforia de género). Há uma função sociológica do cinema que deve ser honrada. E mesmo sem uma tremenda sensibilidade, ao estilo de Sachs, é justo dizer que Howard tem suficiente delicadeza para observar os desafios da dita parentalidade moderna sem se espalhar ao comprido.

** Com interesse

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