UHF sobem ao palco amanhã em Lisboa e depois no Porto
Ao longo de 40 anos de carreira, os UHF já deram quase dois mil concertos e editaram 15 álbuns de originais, além de diversas compilações e discos ao vivo, que resultaram em mais de um milhão e meio de exemplares vendidos. São hoje formados por António Manuel Ribeiro (voz e guitarra), António Côrte-Real (guitarra), Ivan Cristiano (bateria), Luís Simões (baixo) e Fernando Rodrigues (teclas), naquela que é "a formação mais duradoura da banda".
A banda sobe amanhã ao palco e uma semana depois, a 29, regressa ao vivo na Casa da Música no Porto. O DN falou com o vocalista, António Manuel Ribeiro, que recordou como é que o público reagiu ao ouvir rock cantado em Português há quatro décadas: "Começámos a ir para a estrada logo em 1979, ainda antes de sair o single Cavalos de Corrida. Fazíamos sobretudo festas de finalistas, onde éramos recebidos com toda a pompa, porque vínhamos de Lisboa, apesar de estarmos sempre a dizer que éramos de Almada. Subíamos para cima do palco e começávamos a cantar canções que ninguém conhecia e ainda por cima em português. Não éramos propriamente rejeitados, mas havia sempre um momento inicial de estranheza, até porque muitas vezes o som era tão mau que ninguém percebia nada do que eu dizia. Com Cavalos de Corrida é o grande momento de viragem. Já tínhamos editado um single no ano anterior, o Jorge Morreu, ao qual, à exceção do António Sérgio, ninguém prestou atenção. Quando o disco saiu, em outubro, já tínhamos dado mais de 180 concertos nesse ano."
Quem é que inicia, de facto, o denominado boom do rock português, os Uhf ou o Rui Veloso, que meses antes tinha editado o Chico Fininho?
Penso que o Rui não me vai levar a mal, até porque já falámos muitas vezes sobre isto, mas ele não é do rock, o próprio já o assumiu por diversas vezes. O Chico Fininho foi fresco, novo e diferente, mas o Cavalos do Corrida não foi só importante para os UHF, mas para toda a música portuguesa, porque quebrou com o paradigma das canções bem comportadas, numa altura em que a própria música de intervenção também já estava a entrar em declínio de criatividade.
Mas não é esse tema, também, uma música de intervenção?
Sim, tem um lado de intervenção urbana, porque finalmente apareceram uns miúdos a falar para os miúdos daquele tempo. É por isso que, quase 40 anos depois, o Cavalos de Corrida tem esta importância. Nunca pensei que tal fosse possível, mas a esta distância percebo que mudámos com tudo: com o ritmo e especialmente com a palavra, que ainda hoje fere e na altura ainda feria muito mais. No tempo do fascismo escrevia-se muito bem, devido à censura, mas nós já não precisávamos disso. A verdade é que a partir daí tudo mudou, passou a haver uma indústria exclusivamente dedicada ao rock, apareceram fotógrafos, designers, imprensa especializada, técnicos de som. Havia até uma ordem das editoras para procurar mais UHF e especialmente mais Cavalos de Corrida.
Como é que vocês lidaram com o sucesso?
Entrámos numa espécie de túnel do tempo, em que passámos de oito para oitocentos sem parar no oitenta. Foi uma mudança total. Éramos uns miúdos, nada ligados ao estrelato, que de repente passam a ser conhecidos e apontados na rua, porque aparecíamos na televisão e nas revistas. Tudo isso acabou por modificar as nossas vidas. No meu caso divorciei-me, porque a música tomou conta de tudo. Deixámos de ter uma vida própria para ter uma outra vida, exclusivamente ligada à música.
Não era o concretizar do sonho rock?
Sim, mas não estávamos preparados para isso. Quando fui receber os direitos de autor do Jorge Morreu, o nosso primeiro single, deram-me pouco mais de setecentos escudos (3,5€). Passado um ano, ao receber o dinheiro referente ao Cavalos de Corrida, deram-me mais de mil contos (5 mil euros). Como é que em apenas um ano se passa de nada para tudo? Quando me disseram o valor nem me acreditei (risos).
Mal ou bem, esse deslumbramento acabou por influenciar a banda?
No aspeto financeiro, não, mas influenciou noutras coisas. Por exemplo, por ter começado a trabalhar muito cedo, deixei de viver uma parte importante da minha adolescência e de repente, com o sucesso, despertei para as sucessivas namoradas. Acabávamos de tocar e estávamos sempre rodeados de miúdas, a pedir-nos o número de telefone. Isso sim, deslumbrou-me. O resto não, até porque não havia muito tempo para aproveitar o dinheiro, porque estávamos constantemente na estrada ou a gravar. Sempre cultivámos sempre um certo pragmatismo do que é importante fazer, de modo a manter viva a chama.
Isso é o mais importante?
Sim, porque quando se sai do palco, depois de receber os aplausos, não resta nada a não ser uma memória. E no dia seguinte é necessário começar tudo de novo. Nesse aspeto sempre tive os pés bem assentes no chão, porque sei que o sucesso é algo que se constrói de forma constante. Um artista só é importante enquanto conseguir ser importante para os outros.
E como se faz essa reinvenção? Os UHF já passaram por várias fases.
Há, isso sim, momentos em que estamos menos expostos, em termos mediáticos, o que é necessário, para nos obrigar a construir picos. Se estivermos sempre lá em cima, estamos estagnados. Como os batimentos de um coração, a própria vida é uma oscilação constante. Se a linha ficar horizontal, significa que morremos. E tanto podemos morrer em baixo, em cima ou a meio. Temos é de saber subir a montanha, mas também de parar descansar, quando tal se impõe.
Pode-se dizer que os UHF são hoje são uma banda de culto?
Sim e isso é algo que me surpreende. Há uma comunhão muito forte com a base inicial de fãs, mas depois há uma renovação de fãs que me deixa muito espantado. Muito deles nem eram nascidos, quando começámos.
Qual foi o melhor e o pior momento dos UHF, nestes 40 anos?
O melhor não sei, porque têm sido muitos. O pior só o percebi muito tempo depois e talvez tenha sido quando saímos da Valentim de Carvalho, no tal divórcio litigioso que nós impusemos à editora, para assinar contrato com Rádio Triunfo. Percebemos logo, pouco tempo depois, que tínhamos entrado numa casa onde imperava uma total ausência de paixão pela música, aliada a uma incapacidade de entender o negócio e sobretudo de respeitar os artistas. Mas seríamos o que somos hoje, se temos permanecido na Valentim de Carvalho?
Qual é sua canção favorita dos UHF?
Não sei se é a favorita, mas é a mais importante, a Rua do Carmo, porque a ordem de todas as editoras era encontrar novos UHF, que fizessem mais Cavalos de Corrida. Essa canção foi a prova que nós não éramos um acaso. Que mostrou o quanto estávamos ligados com o público. E tudo aconteceu no momento certo. É a única explicação que tenho, porque senão vou entrar no campo do esoterismo e não quero ir por aí (risos).