Parasitas: o candidato a filme do ano que retrata a luta de classes em Seul com raiva e loucura
A Palma de Ouro de Cannes foi atribuída a Parasitas, um thriller de luta de classes que combina humor negro e requinte de farsa social. Foi o melhor filme de um festival que tinha grandes filmes como Dor e Glória, de Almodóvar ou Era uma Vez em...Hollywood, de Tarantino. É também já o grande favorito na temporada dos prémios para a categoria de melhor filme estrangeiro.
Tudo se passa numa Seul dos nossos dias e em que as questões da luta de classes atingem um ponto de erosão explícito. Um conto de ansiedade económica onde uma família à beira da miséria arma um esquema de tomar uma casa de uma família da classe mais alta. Primeiro, o filho apresenta-se à família como explicador para ajudar a filha dos ricos, depois, a mãe é contratada para ser a governanta, conseguindo que a anterior seja despedida. Logo de seguida, os restantes membros da família já estão todos lá em diversas funções. A dada altura, a promessa de uma vida onde o luxo e o design começam a ser contagiantes, começa a instalar uma tentação de conquista. A velha fantasia dos não privilegiados: "e se isto fosse meu?".
Dito de um outro modo, é também um drama sobre uma ferida numa sociedade onde a escravidão social é um rastilho para uma ideia de revolução. Mas Bong Joon-ho é um mestre da inquietação e o seu olhar combina sempre uma devastadora carga emocional com um clima de perversão. Os seus "pobres" e "ricos" são descritos como figuras de um teatro macabro, algures entre a mais insana caricatura e a mais perversa das tragédias. Por outro lado, a métrica da narrativa avança de forma eficaz pelos caminhos do cinema de terror psicológico com um humor tão preciso como negro. Negríssimo até... As suas cenas de violência perturbam mas também são reflexo de uma atitude de deliciosa provocação.
O segredo está em deixar o espetador a torcer pelo "take off" dos pobres por entre o contraste dos dois mundos: a casa de design milionária e as ruas alagadas e sujas de Seul, bem lá em baixo. E aí o mundo imaginado por Joon-ho parece saído de um pesadelo urbano que tem trunfos na manga de uma originalidade vistosa. Arrisca com uma demência desesperada e um engenho de golpe que nunca é alheio a um gesto político que toca na ferida de como lidar com as fendas do capitalismo no novo milénio. Escrito com precisão diabólica e interpretado com um elenco de atores literalmente possessos, Parasitas nunca se vai abaixo na sua longa duração.
O mal-estar desta família, os Ki-taek, não é uma mera construção de um arquétipo social. É um espelho de um mundo à beira de uma explosão. Por isso, é violento e insano. No meio da mensagem, surge um final absolutamente divertido e com uma reviravolta de fazer inveja a M. Night Shyamalan. Aqui, no limite, não há bons nem maus, apenas uma fúria secreta que é tanto maquiavélica como libertadora. Faz lembrar muito Old Boy, do também coreano Park Chan-wook. Depois de um passo em falso em Okja, feito há dois anos para a Netflix, Bong Joon-ho recompõe-se e volta ao nível de Expresso do Amanhã e Mother-Uma Força Única. Um imenso cineasta que aqui apresenta uma vertigem dos "loosers" que não nos vai sair da cabeça nem do corpo.
Classificação: **** Bom