Karl Lagerfeld: "Sou muito terra-a-terra. Só que não desta Terra"

O diretor criativo da Chanel tinha 85 anos e um talento enorme: tanto desenhava alta-costura como pronto-a-vestir, vestia princesas e a Barbie, desenhava para a Fendi e para a H&M.
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O cabelo muito branco e os enormes óculos escuros eram a sua imagem de marca, assim como os colares compridos, o leque e as luvas pretas que gostava de usar. "Sou uma caricatura de mim mesmo e gosto disso" - esta é uma das citações que lhe é atribuída. "É como uma máscara. E para mim o carnaval de Veneza dura o ano todo." Os seus instintos artísticos, a perspicácia para o negócio e o ego gigante também faziam parte da sua persona. No mundo da moda, Karl Lagerfeld, que morreu esta terça-feira aos 85 anos, era adorado e odiado, temido e elogiado.

Lagerfeld era, desde 1983, diretor criativo da Chanel, a casa de alta-costura francesa, também era diretor criativo da Fendi, marca de produtos em pele, e tinha a sua própria marca. Além disso, era ilustrador, fotógrafo, editor, colecionador. Um admirador de literatura e de arte, de gosto eclético, que tanto desenhou chiques fatos de tweed como minúsculos biquínis.

Karl Otto Lagerfeld nasceu em Hamburgo, na Alemanha, em 1933 (embora ele tentasse por várias vezes dizer que tinha nascido noutro ano para que pensassem que era mais novo). Apesar da Segunda Guerra Mundial, a família vivia bem, numa quinta na Bavária, e Karl teve um tutor francês, o que lhe permitiu mudar-me para Paris. Fez o ensino secundário no Lycée Montaigne, em Paris, formando-se em desenho e história. Em 1954 ganhou um concurso de design, o Prémio Woolmark, com o desenho de um casaco de lã amarelo (no mesmo concurso, Yves Saint Laurent ganhou um prémio com o desenho de um vestido, os dois haveriam de se tornar rivais).

Começou a sua carreira de designer como assistente de Pierre Balmain (1955-58), tendo depois trabalhado com Jean Patou (1958-63), em cujo atelier desenhou duas coleções de alta costura. Na altura, ainda era conhecido como Roland Karl, tinha apenas 25 anos e não causou grande impressão entre os críticos de moda: foram muito criticadas as minissaias que criou na primavera de 1960, "as mais curtas de Paris".

Em 1963 começou a desenhar para a Tiziani, uma casa de alta costura de Roma, fundada por Evan Richards, que depois começou a fazer pronto-a-vestir. Ficou com ele até 1969. Elizabeth Taylor, Gina Lollobrigida, Doris Duke eram algumas das clientes habituais.

Em 1964, Lagerfeld começou a trabalhar como free lancer para a Chloé, até se tornar o principal responsável pelas suas coleções. Foi aí que conheceu o sucesso pela primeira vez. Deu que falar, particularmente, a coleção de primavera de 1973, com os seus blasers curtos, de seda estampada, e as saias-calça compridas. "Parece que usar estas saias é uma sensação extraordinária", comentou na altura. A partir de 1965 começou a colaborar com a Fendi, marca italiana, desenhando roupa e acessórios.

Em 1983 começou a trabalhar com a Chanel. Ao início, trabalhava 16 horas por dia, e feliz por poder fazê-lo. O seu primeiro desfile de alta costura aqui aconteceu no famoso atelier da Rue Cambon e foi inspirado pelas silhuetas criadas por Coco Chanel nos anos 20 e 30: fatos de lã até ao joelho, casacos de lapela larga e vestidos de noite de organza. Ao longo dos 36 anos que esteve na Chanel nunca parou de se reinventar e de reinventar a marca.

"Tenho a sorte de por desenhar tudo no papel e as pessoas podem imediatamente ver o que eu quero e fazer a roupa sem me fazerem muitas perguntas", explicou sobre o seu processo criativo, justificando o facto de estar pouco disponível para debater as suas ideias. "Nunca mudo de ideias porque antes de apresentar uma ideia já deitei outras 20 no caixote do lixo." Na Chanel, Lagerfeld pôde dar asas à sua imaginação e transformar cada desfile num espetáculo e num acontecimento, repleto de surpresas e de celebridades.

Ao longo da sua carreira, Karl Lagerfeld colaborou com inúmeras marcas de moda, com roupa mais causal como a Diesel, a Vans ou até com a H&M, ao mesmo tempo que se mantinha ligado ao mercado do luxo e da alta costura. Era, diziam os críticos, um "poliglota da moda", ou seja, capaz de falar a linguagem de diferentes marcas (já para não falar das línguas verdadeiras que ele dominava: alemão, francês, inglês e italiano). Ao mesmo tempo, trabalhou como figurinista em espetáculos e filmes - por exemplo para o filme Callas Forever (2002, de Franco Zeffirelli com Fanny Ardant no papel de Maria Callas) ou para a digressão Re-Invention de Madonna (2004).

Em 2007, mostrou um pouco da sua intimidade no documentário Lagerfeld Confidential:

Quando já tinha mais de 80 anos, em vez de se retirar para um qualquer condomínio de luxo, continuava a desenhar mais de dez coleções por ano - colaborando com a cantora Rhianna e com a princesa Carolina do Monaco, vestindo Christine Lagarde (do FMI), a atriz Julianne Moore ou uma boneca Barbie. "As ideias aparecem quando trabalho", dizia. Por isso, recusava-se a parar.

Na sua conta de Twitter, o designer apresentava-se assim: "A moda é um jogo que tem ser jogado a sério." "Mais do que qualquer outra pessoa que eu conheço, ele representa a alma da moda: imparável, sempre a olhar para a frente e com uma atenção voraz à nossa cultura sempre em mudança" - foi assim que Anna Wintour, editora da Vogue americana, o apresentou quando Karl Lagerfeld recebeu o prémio de carreira nos British Fashion Awards, em 2015.

Lagerfeld devorava Diet Coke e adorava a sua gata, Choupette, uma estrela em nome próprio, com direito a joias caras e a sua conta de Instagram.

Há outra frase que lhe é atribuída e que também ajuda a percebê-lo um pouco melhor: "Sou muito terra-a-terra. Só que não desta Terra."

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