Joana Vicente "orgulhosa" por mostrar A Herdade no Festival de Toronto
O festival da pole position para os Óscares arranca esta quinta-feira de cara lavada. A portuguesa Joana Vicente é a nova diretora do TIFF, o Toronto International Film Festival, e há uma aposta em cinema com igualdade de género e com destaque para os novos autores. Neste seu primeiro ano a substituir o histórico Piers Handling, o cinema português tem pela primeira vez passadeira vermelha com A Herdade, de Tiago Guedes, que sai da competição de Veneza para a prestigiada "Special Presentations", secção que costuma atrair os filmes mais sonantes. Aliás, nunca antes uma obra nacional teve esta honra. De resto, o lustro português tem ainda Pedro Costa com Vitalina Varela, no "Wavelenghts", bem como as curtas-metragens A Mordida, de Pedro Neves Marques e o bem curioso Sol Negro, de Maureen Fazendeiro.
A presença de Joana à frente de um dos maiores festivais do mundo consegue explicar-se pelo trabalho que a produtora portuguesa fez em Nova Iorque no Independent Filmmaker Projet, um base de ajuda aos produtores independentes, bem como a toda uma carreira que ajudou o cinema "indie" norte-americano a dar o salto para o digital.
Em conversa telefónica desde o TIFF Bellbox, a casa do Festival de Toronto, diz-nos que o convite para comandar o festival ao lado de Cameron Bailey foi natural: "Quando me convidaram não pude recusar. Era uma oportunidade que combinava tantas coisas de que gosto. Estar no TIFF é um desafio! Não deixo de ver pontos em contacto com o meu trabalho como produtora, embora aqui stejamos sempre a pensar no público. A missão deste festival é continuar relevante. Este é o maior festival na América do Norte e tem uma importância global!".
Joana, formada em Filosofia na Universidade Católica em Lisboa e com uma juventude passada em Macau, vive agora entre Nova Iorque, onde tem a família, e Toronto, foi já considerada uma das mulheres mais influentes do cinema americano pela Variety e é
neste momento a única mulher à frente de um dos grandes festivais mundiais. "O que é aliciante com o festival é que continuamos a dar primazia às descobertas. Lembro que foi aqui que nomes como Barry Jenkins ou Alfonso Cuarón foram descobertos", revela.
Se é sua "culpa" de A Herdade, de Tiago Guedes, estar em relevo na prestigiada Special Presentations, não confessa, mas diz-se fã da obra: "Espero que o Tiago venha a ser uma das nossas descobertas no mercado americano. Gosto imenso do filme! Estou
imensamente orgulhosa de mostrarmos A Herdade! Tenho a certeza que o público aqui em Toronto vai gostar do filme, já para não falar que há uma grande comunidade portuguesa aqui. Espero que a indústria americana perceba que o Tiago é um nome a
quem é preciso dar atenção. Ainda bem que está também agora a competir em Veneza".
O contentamento da "Co-Head" (é assim a sua denominação em inglês) do festival estende-se a Vitalina Varela, o filme português que venceu Locarno: "É uma alegria também conseguirmos mostrar o Vitalina Varela, do Pedro Costa. Depois de Locarno o
filme vai ter uma outra projeção internacional...".
Do que Veneza não conseguiu do mercado americano e olhando para a próxima temporada dos prémios, Toronto tem pesos-pesados que podem sonhar com todo o hype desta altura. O jogo da pré-aclamação já começou e diz-se em Toronto que
um filme como Joker, de Todd Philipps pode ter a confirmação do estado de graça ganhou no Lido uma semana antes, embora todos os olhos estejam nas antestreias mundiais que aqui têm lugar na Baixa da cidade, como é o caso de Jojo Rabbit, de Taika Waitiki, com Taika Waitiki a fazer de um Hitler em versão de amigo imaginário de um menino alemão que descobre que há uma menina judia escondida na sua cave. Trata-se de uma comédia que está a ser vendida como um novo A Vida é Bela e que tem Scarlett Johansson a dar peso ao elenco.
O star power de Toronto também inclui Nicole Kidman em O Pintassilgo, de John Crowley, thriller que adapta o romance homónimo de Donna Tart; Edward Norton com ataques de Tourette em Segredos de Brooklyn, o seu regresso à realização, ou Matt
Damon e Christian Bale em Le Mans 66, pela câmara de James Mangold.
No entanto, o mais antecipado não tem honra de estreia mundial - esteve antes no Festival Sundance e chama-se The Report, de Scott Z. Burns. A imprensa que já aclamou este drama sobre tortura do governo americano pós-11 de Setembro e espera a aclamação de Toronto.
Incógnita talvez seja The Personal Life of David Copperfield, de Armando Ianucci, com Dev Patel como o herói de Dickens. É ainda assim a grande esperança do cinema britânico.
A Sony aposta no TIFF para levar A Beautiful Day in Neighborohood, de Marielle Heller para a glória. Há uma campanha já considerável para o seu protagonista, Tom Hanks, voltar às cogitações da Academia. E se em Toronto se descobrem os atores que
podem sonhar com os prémios, então nesse capítulo, também Just Mercy, de Destin Daniel Creton, tem o regresso de Brie Larson aos papéis sérios depois da bonança de bilheteira de Captain Marvel, ou Bad Education, de Cory Finley, com um irreconhecível
Hugh Jackman.
Vamos também ouvir falar muito de Susan Sarandon em Blackbird, de Roger Michell, onde interpreta uma senhora em luta pelo direito à eutanásia, um dos filmes que Toronto pode projetar para uma grande carreira, bem como Knives Out, de Rian Johnson, um
dos filmes de suspense mais ansiados do ano e onde Daniel Craig, Chris Evans e Ana de Armas são parte de um elenco imprevisível.
Seja como for, as cartas fora do baralho do festival devem passar por Honey Boy, de Alma Há'rel, a partir de um argumento de Shia LaBeouf que é inspirado precisamente na vida do ator e Harriet, de Kasi Lemmons, a biografia de Harriet Tubman, uma heroína americana que deixou de ser escrava e lutou com a sua vida para o fim da escravidão nos EUA.
Por fim, impossível não deixar de salivar pelo novo dos manos Safdie, Uncut Gems, onde parece que há um Adam Sandler ao nível de The Meyerowitz Stories, e Lucy in The Sky, com uma Natalie Portman a dar vida a uma astronauta que depois de um regresso à terra cai em desgraça pessoal.
A Netflix, como sempre, agradece ao festival o tempo de antena e aposta em Dolemite is My Name, o tal projeto que é pensado para ressuscitar a carreira de Eddie Murphy. O TIFF é um festival que gosta realmente de estrelas de cinema.