"Jesus era um revoltado. Teve momentos muito agressivos"
Rodrigo Alvarez apresenta no currículo ter estado como correspondente da TV Globo em Jerusalém e ter publicado antes desta biografia sobre Jesus duas outras, sobre Maria e Nossa Senhora da Aparecida. Os seus livros têm tido muito sucesso no Brasil onde, apesar de certas revelações nas biografias, a Igreja Católica aceita bem os seus relatos religiosos.
Ter vivido em Jerusalém três anos é uma das razões para escrever esta biografias. Para Rodrigo Alvarez esta foi a condição para poder escrever este livro: "Não o poderia escrever desta forma senão com a visão e o conhecimento que tenho daqueles lugares, por onde se acredita que Jesus passou." Considera que um autor que sente "o cheiro da planta no deserto, que pisa as pedras que estão ali há mais de dois mil anos, o mesmo Muro das Lamentações do tempo de Herodes" tem mais elementos para uma biografia destas de que quem não pesquisou naquela parte do mundo.
Para Alvarez, Jesus não é só uma biografia que interessa a leitores cristãos porque "é parte importantíssima da História da Humanidade e como tal é seu interesse conhecer a sua história". Acrescenta: "Penso que um ateu também tem interesse em saber quem foi Jesus, o que fez e as consequências, em que contexto esteve, o que veio antes dele, tal como Jesus aprendeu a pensar". Tudo isto é, diz, "de interesse não só dos religiosos e a edição brasileira mostrou que muitos ateus a leram e, portanto, está claro para mim que não é um tema limitado à religião."
Porquê uma biografia sobre Jesus, alguém que nem todos acreditam que tenha mesmo existido?
Essa afirmação sobre a inexistência de Jesus aconteceu numa fase em que houve uma onda de negação da sua existência, mas os cientistas tiveram muito trabalho para o demonstrar e nada se confirmou. Após essa fase já ultrapassada, a ciência já comprovou por várias formas, inclusive por textos não cristãos e outros achados, a sua existência. Mesmo que fosse verdade, Jesus e a história desse homem que chegou até nós justificaria a sua existência, além de que para mim é importante o facto de essa figura histórica ter mudado a História da Humanidade. Se isso se verificou, precisamos não apenas conhecer a história que nos é contada, com as limitações que a religião nos impôs, afinal a religião cristã criou uma série de censuras, proibiu livros e determinou o que era a verdade, afastando-nos de outras visões.
É o personagem mais biografado de sempre. Como fazer a diferença num novo livro?
A importância de Jesus faz com que de tempos a tempos haja uma atualização da sua história. Sabe-se que no século passado foram feitas duas descobertas muito importantes em bibliotecas, uma no Egito outra em Israel, que continuam a ser interpretadas até agora. A compreensão desses textos muda a visão sobre Jesus, daí que tenham sido necessárias atualizações sobre a visão que se tem sobre Ele. Sendo uma personagem tão importante terá sempre mais do que uma visão e só um livro, serão precisos vários livros e o leitor interessado lerá sempre vários. O que procurei no meu livro, e que não encontro noutros, é a clareza na forma de contar a sua história e a negação de qualquer possibilidade de sensacionalismo. Não estou associado a nenhuma linha de religião ou forma de pensamento institucionalizada, tenho um pensamento livre sobre Jesus que não é fácil encontrar. Eu não defendo nenhuma posição, pelo contrário, desafio posições e afirmações que não consigo comprovar que estejam fundamentadas. É um livro que deixa a dúvida quando é preciso e jamais quer afirmar verdades que não podem ser confirmadas.
Este livro está muito apoiado nos evangelhos. É fácil aceitá-los?
Os evangelhos são a versão mais conhecida e até há pouco tempo a única para muita gente no que respeita à história de Jesus. Se eu quero chegar às pessoas que os conhecem, nasceram dentro dos evangelhos e vivem neles, é fundamental que parta deles. Em seguida fui trazendo outros elementos importantes históricos não canónicos, não aceites pela religião cristã ao longo da História, para confrontar os evangelhos e perceber que há divergências e pensamentos diferentes. Por exemplo, o livro de João Batista, que até é ofensivo para os cristãos por tratar Jesus como falso messias. Eu utilizo-o como fonte para mostrar uma linha de pensamento que até hoje sobreviveu e que acredita ser João Batista o messias. É uma situação muito forte perceber que naquele tempo existia uma religião que acreditava nisso e que, mesmo pequena, persistiu até à atualidade.
Alguma vez duvidou dos evangelhos?
Se não duvidasse não poderia ter escrito este livro. Eles são imprecisos, escritos por seres humanos e não por Deus. Têm divergências, falhas, informações em falta, além de que houve acréscimos posteriores - ao evangelho de Marcos, por exemplo - que as pessoas desconhecem. Esses escritores dos evangelhos eram humanos, tinham as suas visões e intenções, não é o que Deus tenha ditado.
Ainda vamos ter um Jesus diferente daqui a umas décadas do que apresenta no seu livro?
Seria ridículo não pensar que a história de Jesus pode mudar. Ainda há muito por explorar na região onde viveu, em Israel e na Palestina, muitas escavações por fazer e continuar a ter achados arqueológicos. É até possível que um beduíno distraído tropece num vaso e lá dentro estejam mais pergaminhos com novos elementos.
A palavra "amor" surge muitas vezes nesta biografia. Porquê?
Apesar de Jesus não ter sido o tempo todo um pacifista, de ter pedido aos apóstolos que tivessem armas na mão no momento em que estava prestes a ser preso, bem como de outras palavras e gestos violentos, a mensagem de Jesus mais forte que nos chegou foi a do amor. Não um amor ao pai e à mãe, não era essa a mensagem, mas sim o amor ao próximo, ao vizinho, um amor pouco pregado naquela época. O judaísmo já falava disso, Jesus não inventou o amor, mas começou a propagar de uma forma que até então não era habitual e levou essa mensagem para o mundo inteiro daquela altura.
Nem sempre foi um "pacifista". O que quer dizer?
Jesus era um revoltado, estava contra a corrupção dos judeus do seu tempo, sabia que era perseguido e tinha de andar armado. Até Pedro aparece na história com uma espada na mão! Então, ainda que a mensagem religiosa trate de excluir esses momentos violentos de Jesus, como aquele em que perde a paciência no templo com os comerciantes, poderemos relativizar mas não se pode negar que Jesus teve momentos muitos agressivos e violentos. Era o resultado de estar revoltado contra o que acontecia.
Até que ponto se pode escrever uma biografia destas sem polémicas ou sensacionalismos?
Penso que não trouxe polémicas mas, com certeza, há muitos incómodos no livro. Quando apresento uma visão sobre Jesus ser um falso messias é inevitável o incómodo, pois até hoje isso aborrece, tal como a referência num texto apócrifo que diz que Jesus beijava Maria Madalena na boca. O questionamento incomoda e pode criar controvérsias, e tudo isso está na minha biografia, mesmo que sempre de forma respeitosa.
A Igreja fez algum comentário a este livro?
No Brasil sempre tive um boa resposta da Igreja aos meus livros, que são vendidos nas livrarias religiosas e nos santuários, tem padres que os recomendam. No começo, achei que pudesse não ser assim, mas como têm precisão histórica, a Igreja brasileira tem-lhes dado o seu valor.
Cada um tem uma perspetiva sobre Jesus. A sua mudou durante esta investigação?
Não, nada do que pensava em termos religiosos mudou nem a maneira de ver Jesus. O que mudou é o homem Jesus, que vejo agora como um filósofo que trouxe uma filosofia de vida muito mais complexa. A maneira como conhecemos Jesus apenas pelos evangelhos limita a opinião que se possa vir a ter quando se descobrem outros diálogos que lhe são atribuídos. Nem todos podem ser verdadeiros, nem se os pode comprovar, mas quando lemos esses textos contemporâneos encontra-se um Jesus pregador, rabino, mestre e professor que era.
Dedica o livro às várias religiões. Terão realmente interesse nesta biografia?
Certamente, porque Jesus é importantíssimo para os muçulmanos, os judeus também tem algum interesse, no entanto a minha dedicatória é mais uma mensagem de que a religião não deve ser um tema de discórdia. Talvez isso seja ingenuidade minha.
Rodrigo Alvarez
Porto Editora, 288 páginas muito ilustradas