Curtas mostram pistas do cinema nacional em Vila do Conde
Sônia Braga e Udo Kier são dois dos rostos que dão o arranque oficial dos Curtas Vila do Conde no Teatro Municipal. A cortesia é do filme de abertura, Bacurau, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, cineastas brasileiros que venceram em Cannes o prémio do Júri. Um western apocalíptico que desvenda pistas para um Brasil em estado de transe com uma violência que mimetiza a tradição do cangaceiro. Uma sessão em jeito de antestreia (até à data o filme ainda não tem distribuição garantida no circuito comercial) e que terá a presença de Kléber Mendonça Filho, também em Vila do Conde com funções de jurado.
Esta 27ª edição de um dos maiores festivais portugueses tem também um nome grande do cinema internacional, Todd Solondz, cineasta americano que estará em foco ao longo do certame. O Curtas traz a Portugal um autor que fez escola no cinema americano independente e que foi autor de obras como Welcome to The Dollhouse ou Felicidade. Se é verdade que nos últimos tempos o seu cinema parece ter entrado numa espécie de piloto automático, a mostra que o Curtas preparou talvez contextualize um estilo que chegou a ser copiado. Solondz é sobretudo também um grande conversador e em Vila do Conde ouvir este homem pode ser uma ocasião de ouro.
O outro cineasta em foco é Carlos Conceição, que este ano na Berlinale estreou-se nas longas com Serpentário, belíssima meditação de um regresso a Angola depois de um certo apocalipse. As curtas deste cineasta português vão estar a desfilar, algumas delas com novas versões, mas o prato forte deste foco é mesmo a antestreia nacional de Serpentário, obra que continua sem estreia marcada.
Conceição estará em conversa com os cineastas amigos João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata. Apenas se lamenta não ter sido possível algum tipo de sessão com imagens em "work in progress" dos seus próximos filmes. Depois de Serpentário, há já mais dois filmes em pós-produção...
Este domingo, na secção Da Curta à Longa, antestreia de Luz Vermelha, de André Santos e Marco Leão, série produzida para a RTP que terá um cunho cinematográfico. Cada vez mais os festivais nacionais antecipam em grande ecrã este formato televisivo. Sabe-se que esta dupla de cineastas de curtas-metragens vai apresentar em Vila do Conde os dois primeiros episódios de uma ficção que explora o caso das "mães de Bragança". Margarida Vila-Nova, Joaquim Monchique, Afonso Pimentel e Sara Norte são alguns dos atores.
Mas é na secção das curtas-metragens nacionais em competição que o Curtas é muito esperado. Daquilo que já se pôde ver a fornada nacional é forte. A recomendação mais forte é uma revelação:Cenas de uma Vida Amorosa, de Miguel Afonso, curta construída em blocos e que narra fragmentos de uma relação de dois jovens. Um convite de claustrofobia bem construído que não tem medo de poder servir como retrato geracional. Os atores são tremendos: Beatriz Godinho em estado selvagem e a estreia de Filipe Sambado como ator.
Vindos de Cannes, impossível não recomendar, Dia de Festa, de Sofia Bost e Les Extraordinaires Mésaventures de la Jeunne Fille de Pierre, de Gabriel Abrantes. O primeiro é um exercício notável de economia narrativa e com uma Rita Martins soberba, enquanto a fantasia de Gabriel Abrantes atinge uma noção de puro prazer cinematográfico, mesmo estando longe de ser das melhores curtas do autor de Diamantino...
Seguramente em muitas listas do melhor visto em Vila do Conde deverá estar o documentário de Rui Esperança, 18, um olhar sobre duas amigas do secundário na altura dos exames e do final do ano letivo. Um documentário sem truques e com uma sentida imersão no quotidiano dos jovens. Parece fácil mas não é... Igualmente, será impossível ignorar a variação de André Marques a Jarmuch e ao seu filme de vampiros, Só os Amantes Sobrevivem. Chama-se Não Procures mais Além e é um conto de vampiros do Haiti em plena mata de Palmela. Um achado tão desconcertante como intenso.
Colmeal, de Sérgio Braz d'Almeida e Márcio Laranjeira, é um dos "ovnis" da competição. Goste-se ou não, sobra um João Pedro Mamede a provar que é um imenso rosto de cinema. Mas até ao próximo sábado o Curtas vai descobrir e consagrar mais nomes jovens do novíssimo cinema português. Cada vez mais, um festival fundamental para encontrar pistas para a próxima etapa do nosso cinema...