Berlinale. Censura da China retira filme do Festival de Berlim e Netflix também esteve para ser boicotada

One Second, de Zhang Yimou foi retirado do Festival de Berlim e os exibidores alemães não querem produção da Netflix em competição. O que mais irá a acontecer a este festival em ano pouco glamoroso?
Publicado a
Atualizado a

Um dos filmes chineses mais esperados no Festival de Cinema de Berlim, One Second, foi retirado da competição. Justificação: "Não estar pronto devido a problemas técnicos". A obra de Zhang Yimou sobre a Revolução Cultural é agora alvo de muitas interrogações sobre o que aconteceu na realidade, pois na China o termo "problemas técnicos" costumam ser aqueles filmes que são alvo de censura por parte do governo.

O caso está a agitar o festival, tanto mais que é raríssimo filmes anunciados serem retirados à última da hora. O mais estranho é que Yimou, tem sido nos últimos anos uma espécie de "cineasta do regime", depois de ter sido o responsável pela abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim e de estar a realizar grandes épicos sobre a História chinesa. Um papel bem diferente do que teve no começo da carreira, quando era a voz mais singular do novo cinema chinês, tendo abordado os horrores da revolução cultural chinesa com Viver (1994) e sido eleito pela crítica internacional como o maior cineasta chinês.

Obviamente, até à data, Viver continua banido no seu país e Yimou é famoso por ter pago uma multa astronómica por ter tido três filhos contra a lei de um filho por casal.

Da parte da organização do festival, não deixa de ser sintomático que o comunicado a anunciar o cancelamento do filme não refira nenhuma interferência externa, lamentando apenas que "infelizmente, devidos a problemas técnicos" o filme não vai ser possível a sua exibição. Para complicar a questão, nem o realizador nem os produtores do filme deram explicações sobre a retirada do fime da competição. O mesmo se passa com a organização do Festival, silenciosa além do curto comentário inicial.

Diga-se que a época da Revolução Cultural é um tema que tem enervado o Partido Comunista Chinês, obrigando os cineastas a contornar essa rejeição através das abordagens possíveis.

One Second é a história de dois estranhos que se cruzam em plena Revolução Cultural, uma jovem órfã e um fugitivo de um campo de trabalho e a relação de ambos com as projeções de cinema e de filmes de propaganda no interior da China. Nem de propósito, uma obra sobre imagens proibidas. Seja como for, é o segundo filme chinês a ser retirado do festival vindo da China depois de Better Days, na secção juvenil Geração. Segundo os produtores do filme, Better Days acabou por não ficar finalizado a tempo do festival, mas a revista diária Variety especula sobre a crescente onda de censura do partido comunista no cinema local. Pelos vistos, o selo do dragão para os filmes poderem ser mostrados em festivais internacionais está cada vez mais problemático e controlado.

Não foi a única controvérsia na seleção para o Festival de Berlim, também aconteceu com o cinema espanhol, no caso o filme Elisa Y Marcela, a história de um romance lésbico dirigido pela catalã Isabel Coixet. Esta produção da Netflix agitou o festival depois de um grupo de mais de cem exibidores alemães ter feito um protesto junto à direção da Berlinale, pedindo para o filme ser retirado na medida que não vai ser exibido nos cinemas. Ou seja, o mesmo que aconteceu em França no Festival de Cannes, que acabou por excluir filmes do gigante do streaming.

Elisa Y Marcela, segundo o diretor de Berlim, o veterano Dieter Kosslick, pode estrear em competição porque em Espanha algumas salas vão exibir o filme, tal como aconteceu com Roma, de Alfonso Cuáron. Mais uma vez, a Netflix a causar fricção no mundo da exibição cinematográfica, mas ainda assim a ser apoiada por um dos maiores festivais do mundo.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt