Seis livros sobre Hitler e nazismo publicados em dois meses. Extrema direita agradece, ou é o fenómeno oposto?
A suástica em grande destaque na capa dos livros já não é tabu para os editores portugueses, tanto assim que esse símbolo de uma ideologia que provocou a morte de milhões de pessoas está a ser utilizado em seis livros publicados nos últimos dois meses sobre esta temática. Pode mesmo dizer-se que há suásticas para todos os gostos em tantos livros publicados sobre um tema que parecia quase esgotado, desde a capa que reproduz apenas uma pequena cruz no capacete de oficiais do Terceiro Reich até às que têm uma dimensão superior a mais de metade da capa. Há até capas que têm duas destas cruzes.
Para que a ideologia do governante alemão não passe despercebida, a palavra "nazi" surge também na maioria das capas e contracapas e de forma bem destacada. Duas situações gráficas que podem ser entendidas como uma forma de potenciar este filão editorial da história contemporânea.
Em defesa dos autores de cinco destes seis livros (ver livros em baixo), pode dizer-se que não estarão a aproveitar-se do crescimento da extrema-direita em vários países da Europa para vender o seu "produto" e que é apenas uma coincidência temporal entre o fim de pesquisa, a escrita e a publicação. São na maioria investigações sérias sobre os tempos da II Guerra Mundial, bem como o romance com esse cenário. No entanto, a suástica lá está bem em destaque.
Já quanto ao inédito de Hitler que a editora Narrativa publica, todas as dúvidas podem ser colocadas perante o interesse da obra para o grande público como é apresentada. Trata-se de um "segundo livro de Hitler - A sequela inédita de Mein Kampf". A promoção editorial deste alegado objeto de interesse académico/ideológico informa que "ninguém sabia da sua existência", que é "obra essencial para a compreensão da política externa da Alemanha Nazi", e ainda que "esclarece quer historiadores quer o público interessado acerca das motivações e ambições de Hitler".
O Segundo Livro de Hitler surge respaldado pelo professor e historiador da época, Gerhard L. Weinberg, que se responsabiliza pela edição, introdução e notas, numa edição de luxo - ou para colecionador? - de capa dura. Não será por acaso que a editora afirma que este volume pode tornar-se uma "leitura extremamente essencial nos dias conturbados de hoje, nomeadamente nas alterações políticas e ideológicas que podemos assistir em vários países da Europa e do mundo."
A questão de serem publicados tantos livros num curto período de semanas sobre a ideologia nazi levanta a questão sobre até que ponto as editoras estarão a aproveitar o renascimento de políticas e ideologias condenadas em tribunal e pela opinião pública através do recurso a símbolos do nazismo nas suas publicações. Ou seja, poderá estar a verificar-se uma união entre os interesses comerciais e a apetência de certas franjas de leitores com orientação política de extrema-direita. E a questão gráfica tem um papel importante na captação desses leitores menos democráticos.
Para o editor de um destes livros, Marcelo Teixeira, a razão para este género de publicações é muito simples e retirada de qualquer caráter ideológico: "O leitor mantém um grande interesse sobre história contemporânea, área onde Hitler e o fascismo são temas centrais". Recusa que o a capa do livro que editou, Lisboa Nazi [o "O" de Lisboa é uma suástica] seja um aproveitamento, antes uma questão de design. Considera que este género de edições "são por norma apostas bem sucedidas comercialmente", daí que as editoras publiquem livros assim.
Quanto à coincidência nestas seis capas de suásticas e o regresso de ideologias extremistas no mundo, Marcelo Teixeira não nega que se está a viver um "momento indissociável do ressurgimento de tendências fascistas em vários países da Europa", contudo reforça que "Hitler e nazismo bastam-se a si próprio enquanto sucesso editorial".
Exemplo desse sucesso de Hitler enquanto tema e, principalmente, como autor é o facto de ser uma espécie de best-seller com as suas edições portuguesas do Mein Kampf (A Minha Luta). Em 2016, a editora E-Primatur publicou uma edição inesperada deste discurso antidemocrático depois de o volume ter estado ausente das livrarias durante 40 anos, altura em que as Edições Afrodite/Fernando Ribeiro de Mello o tinham publicado. A exposição numa das montras da livraria Bertrand do Chiado, bem como a polémica em redor dessa inesperada reedição, terá contribuído para o esgotar nessa primeira vez. Também a editora Guerra & Paz fez no mesmo ano uma edição especial com o texto de Hitler, tendo vendido na Feira do Livro de Lisboa o total de exemplares impressos. As duas edições aconteceram na sequência da liberalização dos direitos de autor, sendo amplamente justificadas em Portugal, bem como na própria Alemanha, com prefácios em que se defendia a necessidade de o livro de Hitler ser do conhecimento público.
A palavra Hitler a a suástica estão bem visíveis nesta edição. Vira-se a capa e surge uma fotografia do "autor" em pose de chefe de Estado. Antes de se chegar ao prefácio estão impressas de forma bem destacada mais três suásticas. A história desta sequela do Mein Kampf é simples: Hitler ditou o texto mas nunca o publicou. Até chegar à próxima página com suástica, o leitor tem todas as teorias da conspiração em torno do inédito de Hitler, aquela que é a melhor parte do livro. Segue-se a teoria nacional socialista, decorada com fotos do governante em momentos importantes e muitas mais suásticas. No fim, para os não crentes, reproduz-se uma primeira página de um jornal em que se noticia a morte de Hitler.
O Segundo Livro de Hitler
Adolf Hitler
Editora Narrativa, 431 páginas
Com uma grande suástica em fundo, o livro de Stefan Aust conta A Luta de Konrad Heiden e na capa está escrito: "nenhum homem conheceu Hitler como Konrad Heiden". Editado também pela Narrativa, este estudo "compensa" o inédito que publica em simultâneo do führer, atrás referido, pois não é divulgação de ideologia nazi. O que o autor faz é relatar a história do "primeiro cronista do Terceiro Reich", coisa que Heiden fez a partir da década de 1920 de forma obstinada e lhe valeu o exílio devido a ter realizado uma cobertura exaustiva e completa do ditador alemão a partir dos primeiros tempos. O prólogo de Stefan Aust é prometedor e faz o leitor ter vontade de continuar a ler esta biografia do primeiro grande inimigo de Hitler, que é mesmo interessante.
O Primeiro Inimigo de Hitler
Stefan Aust
Editora Narrativa, 447 páginas
As letras vermelhas com o nome do protagonista deste O Desaparecimento de Joseph Mengele combinam com a suástica da capa, mas o relato de Olivier Guez foi aclamado pelo Prémio Renaudot em 2017. É sintetizado assim numa frase da capa: "um relato fascinante da vida clandestina de um dos criminosos nazis mais procurados da história e símbolo do horror do holocausto - o Anjo da Morte." O autor é jornalista, ensaísta e escritor e conta num tom de quase aventura a fuga de um dos piores nazis, desde a chegada à Argentina, a estada no Paraguai e depois no Brasil. Foi acusado de matar 400 mil pessoas, mas nunca foi julgado nem detido.
O Desaparecimento de Joseph Mengele
Olivier Guez
Editora Planeta, 223 páginas
Com duas suásticas na capa, Os Provocadores de Naufrágios é um romance sobre Klaus Kittel, um alemão nascido no Porto e que participou na II Guerra Mundial, depois de assistir à ascensão de Hitler, acabando por ser preso no fim do conflito. Enquanto ficção, o autor João Nuno Azambuja continua um trabalho bastante elogiado pela crítica e inclui nesta sua senda vários momentos históricos: o confronto entre Jesse Owens e Hitler nos Jogos Olímpicos de 1936, as relações com a corte do governante alemão, e até o salto pelo país basco sob o disfarce de Álvaro Cunhal. A nota final garante que todos os personagens são verdadeiros.
Os Provocadores de Naufrágios
João Nuno Azambuja
Editora Guerra & Paz, 302 páginas
Este é o título une o nazismo e a capital portuguesa, que não esquece a suástica na capa, para contar "a cidade secreta dos portugueses que lutaram pelo Terceiro Reich". Os acontecimentos revividos neste livro por Sérgio Luís de Carvalho permitem revisitar fisicamente certos locais que se mantêm mas nunca por completo o espírito da época porque, garante o autor, "é uma Lisboa que se sumiu discretamente após a rendição alemã". No entanto, aposta em levantar o véu sobre aquilo que poderá levar o leitor a recuperar uma imagem de uma Lisboa nazi, até porque está recheado de ótimas histórias e de uma boa reconstituição.
Lisboa Nazi
Sérgio Luís de Carvalho
Editora Parsifal, 205 páginas
É o mais discreto destes livros a nível da suástica, mesmo que tenha duas em tamanho reduzido no chapéu dos nazis - palavra duas vezes na capa - que são retratados por Eric Frattini. O autor de A Fuga dos Nazis conta com um prefácio de Joshua Ruah, após o que se preocupa em perseguir os acontecimentos que permitiram a "alguns dos maiores criminosos nazis terem conseguido escapar da Europa e evitar o julgamento em Nuremberga". É o caso de Eichmann, Mengele e Klaus Barbie, entre muitos outros. Esta investigação começa assim: "Em 1921, um obscuro cabo austríaco chamado Adolf Hitler assumiu o controlo do então insignificante Partido Nacional..."
A Fuga dos Nazis
Eric Frattini
Bertrand Editora, 376 páginas