A gaiola amarga de Nuno Lopes e Beatriz Batarda

A chegar aos cinemas nacionais está<em> Menina</em>, tragédia familiar sobre emigrantes portugueses em França. É o filme de estreia de Cristina Pinheiro, cineasta luso-francesa. Vale quase apenas pelas interpretações de Nuno Lopes e Beatriz Batarda.
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A menina do título pergunta aos pais quem é Saint Lazare? É uma menina filha de emigrantes portugueses em França e refere-se a Salazar, o ditador português que os vizinhos falam em petiscadas regadas com álcool e o hino nacional. Luísa, a menina, tem 10 anos, nunca foi a Portugal e sente-se francesa. A mãe vive na angústia do exílio, enquanto o pai bebe e se zanga muito.

É uma família portuguesa, com certeza. Mas na euforia dos sonhos de infância, Luísa recebe do pai uma notícia trágica: os pulmões dele têm os dias contados. Só ela sabe que ele pode estar a caminho da morte.

Nesta primeira obra de Cristina Pinheiro, totalmente produzida com financiamento francês, esta cineasta luso-francesa faz uma espécie de A Gaiola Dourada amarga, um pouco na esteira de Todos os Sonhos do Mundo, da também luso-francesa Laurence Ferreira Barbosa, que igualmente mostrava a vivência de uma família portuguesa em França mas com um tom de forte realismo. Aqui, por estarmos perante o olhar de uma criança, o relato é pontuado pelos recursos poéticos.

Pode-se dizer que em Menina tudo é muito digno e com uma verdadeira ponte com o imaginário da infância. Até também se sente um lado pessoal e íntimo no relato da história, mesmo que nas dobras narrativas as soluções dramáticas caiam quase sempre na ordem das boas intenções, coisa que João Canijo evitava em Ganhar a Vida, obra com olhar justíssimo sobre a comunidade dos portugueses em França.

Para lá do lado de recriação de memória - o argumento é escrito em parte através das memórias da realizadora estreante -, o filme tenta captar gestos, respirações e fragmentos de uma comunidade portuguesa numa França algo hostil aos emigrantes.

Apesar de todas as fragilidade, o filme sabe ter algum vigor numa certa recriação de zonas trágicas, em especial quando assenta os seus clímaxes no trabalho dos atores, em especial no jogo de veracidade de Nuno Lopes e Beatriz Batarda, capazes de compor com rugosidade os pais da menina cuja infância é abalada. Atores que dão tudo o que têm e que passam uma corrente de paternidade e maternidade bastante estimável.

Menina é um conto sobre aquela altura na vida de todos nós em que vemos a morte de alguém que amamos a chegar. O ponto de partida e chegada é o olhar pueril de uma criança que aprende a perceber o seu lugar na família e no mundo. A seu favor podemos reclamar uma certa impressão de encontro com marcas literárias. Lamenta-se apenas um certo congestionamento de histórias cruzadas e uma gestão de afetos algo trapalhona. Talvez por isso tenha chegado de França sem o "hype" de A Gaiola Dourada.

2 estrelas

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