Imagina a Catedral de Notre-Dame com o pináculo em vidro?
Ainda mal recuperados do choque causado pelo incêndio que destruiu uma parte da Catedral de Notre-Dame, os franceses, e particularmente os parisienses, estão agora envolvidos num debate sobre o modelo arquitetónico que a reconstrução deve seguir: respeitar o traçado antigo ou aproveitar a oportunidade para modernizar o monumento do século XII?
O presidente e o primeiro-ministro franceses abriram a caixa de Pandora quando anunciaram a abertura de um concurso internacional para reconstruir parte da catedral destruída pelas chamas no dia 15 de abril e usaram expressões como "ideias contemporâneas" ou "tecnologia atual". Os arquitetos apressaram-se a divulgar as suas ideias e as críticas também não se fizeram esperar.
Reconstruir o pináculo de Notre-Dame em vidro, fazer dos telhados uma espécie de greenhouse e até um apiário para acolher a colónia de milhares de abelhas que ali vive, criar zonas onde os visitantes possam passear e desfrutar da deslumbrante vista de Paris são algumas das propostas. O britânico Norman Foster foi dos primeiros a avançar com a hipótese de reconstruir o pináculo em vidro. Mas as redes sociais encheram-se de críticas, com o argumento de que se deve respeitar um edifício com séculos de história.
O The Times reproduziu a imagem do que o arquiteto defende para a catedral: um pináculo de aço inoxidável revestido a vidro, que teria na base uma plataforma de observação para os visitantes. Por outro lado, os telhados igualmente em vidro trariam luz natural para iluminar o espaço inferior.
Foster considerou que a reconstrução do monumento é "uma oportunidade" para utilizar tecnologia atual. "A decisão de realizar um concurso para a reconstrução de Notre-Dame deve ser aplaudida porque é um reconhecimento dessa tradição quando estão em causa novas intervenções." Foster mostrou-se entusiasmado mas o feedback que recebeu do público foi bastante negativo - foi mesmo criada a hashtag #betterthanFoster.
Da parte dos arquitetos houve quem argumentasse que a identidade da catedral não se perderia mesmo com uma intervenção contemporânea, até porque faria uma ligação à pirâmide de vidro do Louvre, e continuaria bem patente na rosácea norte e nas gárgulas.
"É aterrorizante perceber que mesmo as maiores obras-primas não são imperecíveis. Como pode um trabalho que exigiu centenas de anos de trabalho voar para os céus de Paris em poucas horas? Além das questões legítimas de proteção e sistemas de prevenção que temos o direito de perguntar, cabe a nós hoje saber como reavivar essa joia arquitetónica que é a identidade da cidade mais visitada do mundo. Como arquitetos, somos obviamente sensíveis ao projeto de sua reconstrução, mas surge uma pergunta: deveria ser feito novamente o mesmo?", escreve o estúdio Godart et Roussel Architectes na sua conta de Instagram, acompanhando o texto com duas imagens onde se veem os telhados e o pináculo em vidro e um esboço onde os visitantes se passeiam.
O Studio NAB, igualmente francês, divulgou imagens onde a icónica torre da catedral que ruiu com o fogo dá lugar a apiário em vidro - as cerca de 180 mil abelhas que sobreviveram ao incêndio e foram mantidas em caixas de madeira ficariam instaladas numa imponente estrutura de aço dourado com painéis de vidro.
Estes arquitetos mostram ainda uma representação de canteiros de plantas construídos a partir de madeira queimada no incêndio. Tanto a estufa como o apiário funcionariam como um centro onde os visitantes poderiam aprender sobre horticultura e agricultura urbana.
Um dia depois do incêndio que destruiu os tetos com mais de 800 anos e o pináculo concebido por Viollet-le-Duc, o presidente Emmanuel Macron disse que queria a catedral reconstruída em cinco anos e que o monumento gótico ficaria "ainda mais bonito". E falou num "gesto arquitetónico contemporâneo".
Já o primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, propôs que os arquitetos pensassem em versões mais modernas para a reconstrução da catedral e disse que o pináculo devia ser "adaptado às técnicas e desafios da nossa época".
"Pode-se respeitar o espírito do edifício mas ser imaginativo. Viollet-le-Duc [que restaurou a catedral no século XIX] foi inventivo", disse, por seu turno ex-ministro da Cultura Jack Lang à AFP.
Resta agora saber se Notre-Dame irá ser modernizada, como já o fez Ieoh Ming Pei com a Pirâmide do Louvre ou Renzo Piano com o Centro Georges Pompidou.