O historiador Sérgio Luís de Carvalho tem vindo a publicar vários retratos de Lisboa; seis livros até há pouco, e recentemente mais um volume: Lisboa Fadista. Se antes, o perfil desta coleção era mais histórico –Lisboa Nazi, Judaica, Árabe, Africana e Maçónica -, no entanto já existia o Lisboa Maldita e agora este Lisboa Fadista não é um fait-divers, afinal o fado é desde 2011 Património Cultural Imaterial da Humanidade declarado pela UNESCO.Quando se confronta o autor com esta nova opção, a do Fado, não concorda que esta seja uma investigação desnecessária, nem distante do espírito da série: “Não sei se podemos dizer que este volume é menos histórico que os anteriores. O Fado é um fenómeno em si mesmo, e o facto de ser tão associado a uma cidade específica, merece estudo e reflexão, para melhor se perceber quer o Fado-fenómeno, quer a cidade que o gerou. Sinceramente -e posso estar enganado - não conheço nenhuma outra cidade que tenha gerado um tipo próprio de música/canção, com características tão marcantes e tão vincadas. Mais uma vez, esta é uma História de Lisboa - como os demais livros foram - através de uma música/canção única e autóctone.”Quando se lhe pergunta se ficou satisfeito com as fontes que encontrou para esta investigação ou se considera que ainda ficaram mistérios por esclarecer, o autor responde: “Antes de mais, temos o mistério das origens do Fado. Esse é o grande mistério. Fora isso, há hoje material suficiente para abordarmos, sem grandes dúvidas, o desenvolvimento do Fado a partir da primeira metade de oitocentos, desde as origens mais populares até à sua lenta aceitação social. Note-se que, a partir dessa altura, há muitos registos escritos, fonográficos e mais tarde videográficos, o que ajuda imenso.”São várias as teses sobre a origem do Fado e até agora foi impossível determinar exatamente qual é a mais correta ou se existirá outra que será verdadeira. Sérgio Luís de Carvalho considera que existe um trio de explicações com mais força entre todas as outras: “No primeiro capítulo, intitulado Gestação, aponto as três teses mais divulgadas e debatidas. A tese de Rui Vieira Nery, que filia a origem do Fado nas músicas e danças africanas/brasílicas, com destaque para o lundum. A tese de José Alberto Sardinha, que filia a origem do Fado na tradição trovadoresca portuguesa, tradição essa que se mantém nos posteriores cantadores ambulantes. A tese - ainda que hoje menos aceite - que filia o Fado nas cantilenas e na tradição musical árabe, da qual o arabista Adalberto Alves é um dos defensores. Creio que nunca se chegará a uma resposta definitiva, pois estamos a falar de uma longa tradição, que se perde na noite dos tempos, trazida pelas vozes e pela memória de muita gente sem rosto, mas com voz.”Para o investigador é difícil separar entre as várias épocas e características da cronologia fadista a fase mais interessante: “Na minha opinião, todas são muito interessantes. Decerto que, em termos musicais, os nossos dias têm trazido muitas e variadas influências musicais para o Fado, o que, diga-se, tem permitido o seu desenvolvimento, incremento e transformação. As mudanças dos derradeiros 50 anos, essa mescla bem-sucedida de tradição e modernidade, têm permitido uma expansão ímpar do Fado. A sua internacionalização também passa por aí. O Fado cresceu, evoluiu e transformou-se. Todavia, outros períodos foram igualmente interessantes. Já agora, deve-se chamar a atenção para um aspeto por vezes esquecido: os poetas do Fado. O Fado, como se sabe, também vive das suas letras. E aí, ao longo do século XX e já neste século, muitos e bons letristas deram o seu contributo para a qualidade lírica desta música/canção.”Quando se questiona se foram as figuras míticas do fado antigo, como a Severa e mais tarde Marceneiro, que lhe deram força para atravessar vários séculos até ficar estabelecido que é a “canção nacional”, Sérgio Luís de Carvalho hesita um pouco: “É uma pergunta difícil, pois se é verdade que os fadistas são determinantes para a expansão do Fado, como o são noutros géneros musicais os seus intérpretes e compositores, também podemos perguntar o que sucederia se esses dois «monstros» do Fado nunca tivessem existido. Decerto que haveria Fado à mesma. Por certo, até seria o mesmo fenómeno que hoje é. O que não quer dizer que o contributo de Amália e de Marceneiro não tenha moldado o Fado. Essa é uma velha questão em História: qual o peso das individualidades na dialética do processo histórico?” .Há um século, nem todos gostavam do Fado. Eça de Queiroz graceja e despreza-o enquanto Ramalho Ortigão diz que “cada fadista era um criminoso tolerado”. A resposta de Sérgio Luís de Carvalho é inesperada: “Na altura que Ramalho disse isso, não era falso. O Fado era, então, uma canção de rufias e de «mulheres da vida», uma música de bairros do bas-fond e de tascas mal enjorcadas, muito duvidosas, onde uma pessoa séria não punha o pé. A Casa da Mariquinhas, popularizada por Marceneiro, Amália, Hermínia ou Gisela João, entre outros, era o quê? Era um bordel… E a que se dedicava a Severa? A negócios horizontais e de taberna. A História do Fado, ao longo do século XIX, sobretudo, é uma História de muita delinquência e de muito lúmpen. Curiosamente, acho que esse património e esse passado muito contribuíram para a personalidade única do Fado. É uma canção de pobres, de gente simples e humilde, de maralhal duvidoso e de vida dura. O que seria do quadro “Fado”de Malhoa, se não estivesse lá a Adelaide da Facada (prostituta) e o seu amásio Amâncio, um notório delinquente? Essa patine proletária e reles é que lhe dá estilo, personalidade e sabor.”No caso do Fado, existem figuras muito especiais entre os fadistas, no entanto, pode dizer-se, que só Amália conseguiu superar a fronteira nacional e levar o fado a todo o mundo. Neste ponto não há qualquer discórdia: “Amália teve vários méritos, evidentemente. Em primeiro lugar a sua voz e a sua presença. Depois, o facto de ter sido a nossa primeira fadista e cantora a ter uma presença global e além-fronteiras. E ainda o papel que teve na própria renovação do Fado nos anos 1960/70, com a captação de muitos poetas fora do percurso usual. Por vezes esquece-se esse aspeto, que lhe chegou a valer algumas críticas dos mais «puristas». Amália abriu as portas por onde, depois, o Fado se expandiu. Creio, todavia, que, salvaguardadas as distâncias devidas, também hoje temos muitos fadistas a galgarem as fronteiras nacionais e a levarem o Fado por esse mundo. A diferença está no facto de que talvez hoje, com a globalização e com as novas plataformas digitais para a música, a concorrência internacional seja mais dura. Há mais «ruído», mais «escolha», há mais «tudo» e, por vezes, tanta «fartura» perturba mais do que esclarece.”Entre os nomes pós-Amália, pergunta-se se os novos fadistas em vez de também terem atravessado a fronteira, fizeram com que o fado fosse apreciado pelos portugueses mais jovens e criassem uma geração de admiradores do fado? Para o historiador, essa é uma parte da verdade: “Os novos fadistas alargaram socialmente e geracionalmente o fado, é certo. Mas também o têm levado além-fronteiras. Dou um exemplo: a apresentação deste livro foi feita há poucos dias na Fundação José Saramago pela fadista e cantora Cristina Branco e não foi fácil encontrar uma data devido aos seus muitos compromissos internacionais. Dias antes da apresentação, tinha dado um concerto no Carnegie Hall, de Nova Iorque, e após a apresentação, partiu de novo em digressão.” .LISBOA FADISTASérgio Luís de CarvalhoParsifal223 páginasOutras novidades literáriasA TRADUTORA E O NOBELO livro começa assim: “Este é um livro sobre as línguas: aquilo que as línguas podem e o que não podem fazer.” De seguida, o escritor J.M. Coetzee e a tradutora Mariana Dimópulos debatem as linguagens e as traduções, bem como a importância desta forma de comunicar, que “afeta de uma grande parte a maneira como pensamos” e de como são várias as situações que sem o intercâmbio linguístico seriam bem diferentes. Uma das preocupações de Coetzee é a questão da língua materna e a de Dimópulos é a intraduzibilidade da língua original. .O DOM DAS LÍNGUASJ.M. Coetzee e Mariana DimópulosD.Quixote147 páginas AS NARRATIVAS FALSASNunca como hoje se viveram tantas teorias de conspiração, afinal a tecnologia ofereceu aos criadores de eventos falsos uma máquina global de espalhar inverdades. O autor dá vários exemplos, alguns mitológicos como a morte de Marilyn Monroe, outros a partir de situações da natureza como o tsunami de 2004, e verdades complexas como o 11 de Setembro de 2011. O que neste ensaio se procura é dar a entender como tudo se cria e rodeia de imensas interligações que parecem credíveis mas não o são, apenas coincidências. Ou, resultado de um logro premeditado. .AS TEORIAS DA CONSPIRAÇÃOPierre-André TaguieffGuerra & Paz151 páginas