Às vezes, não se está à espera e acontece o chamado coup de foudre cinematográfico. Um romance que, à primeira, nos toca. A Vida Entre Nós, de Stéphane Brizé, é desses casos: uma história de amor que não engana no seu romantismo legítimo, sem tradições românticas de cinema francês ou outras referências externas. Apenas um homem e uma mulher apaixonados, neste caso um ator de cinema vedeta e uma professora de piano. São antigos namorados que se voltam a encontrar duas décadas depois - já não são os mesmos, mas entre eles continua a haver uma atração forte, inevitável.De Brizé conhecia-se já uma abordagem muitíssimo subtil ao romanesco em A História de Uma Mulher (2016), mas a sua marca, que lhe deu fama, eram dramas sociais de denúncia anticapitalista. Um cineasta de causas que, afinal, tem coração. Coração e olho para inventar o mais credível casal do cinema francês dos últimos tempos: Alba Rohrwacher e Guillaume Canet.Em Paris, no começo do ano, Canet fez questão de estar disponível para falar de uma das suas grandes interpretações na sua carreira, começando logo por explicar o segredo pelo qual ficamos presos a este romance: “Quando se faz um filme como este é essencial que os atores tenham uma ligação mesmo forte. Mas a verdade, neste cas,o é que eu e a Alba adoramo-nos. Gostei muito de trabalhar com ela, trata-se de uma atriz extraordinária. A nossa cumplicidade foi muito agradável, eu tive muito prazer em estar com ela no plateau. Falávamos muito, bem ao contrário de em certos filmes, onde já apanhei colegas algo distantes, que mal acabam as cenas se vão embora.” .Um ator fã do seu cineasta.Canet continua a sua maré de elogios, direcionando-se agora para o realizador, Stéphane Brizé, um cineasta que se impôs em França como um dos novos mestres do realismo social, sobretudo em obras como A Lei do Mercado (2025) ou Em Guerra (2028).“Sou um fã da sua autenticidade. Acho incrivelmente impressionante toda a realidade que sai do seu cinema. Tudo parece improvisado, apesar de estar tudo escrito no guião. Estava muito curioso de ver a sua maneira de trabalhar e foi espantoso. A mim dava-me um texto, à Alba um outro e as coisas aconteciam, tínhamos de reagir perante a surpresa. Trata-se de um cineasta que tenta criar acidentes. Não estamos a improvisar, mas temos de reagir perante a diferença nos textos. Torna-se muito importante saber ouvir o ator-parceiro. Ganha-se uma qualidade de escuta enorme.”Para quem conhece a carreira deste que é um dos poucos atores atuais do cinema francês que atrai público, já antes tinha interpretado uma versão caricatural de um ator famoso, neste caso alguém próximo dele. Tinha sido na sátira Rock n’Roll, que ele próprio realizava e expunha as perceções que há de si e da sua fama em França..Talvez por isso, este seu ator mimado, tenha sido associado a esse filme anterior. “O filme não foi escrito em função de mim. O Brizé já tinha este argumento escrito antes de me propor. Ele até poderia ter convidado o Vincent Lindon ou outro ator....Em todo o caso, sei que não pensou em mim quando escreveu este ator. Mas não sinto que a personagem tenha muito a ver comigo, embora as reações que as pessoas têm com ele me façam lembrar o que me acontece em locais públicos. Também a mim me pedem para tirar selfies e autógrafos nos momentos mais inapropriados, tipo numa massagem. Acontece muitas vezes e não é nada fácil recusar... Quando li a personagem no papel gostei da forma como ele respeita o seu público, é um tipo simpático!” .O cinema e o teatro.A personagem de Canet tem uma espécie de complexo de inferioridade com o chamado “ator de teatro”. Canet, que é sobretudo uma estrela de cinema, jura que não tem esse complexo: “Nunca senti isso, mas adoro fazer teatro. Faz-me falta - num espetáculo estamos sempre a começar de novo de representação em representação. Estou com muita vontade de regressar aos palcos, ainda que considere algo bastante assustador. A adrenalina de estar em cena é bastante insana. Depois de sair do teatro nunca conseguigo dormir. Como tenho filhos, e sou eu quem os leva à escola, bem de manhã, o teatro não dá para mim. Estou à espera que cresçam.”.Rui Pedro Tendinha, em Paris.