Globos de Ouro. Do poder de Jane Campion ao de Succession, e a primeira transexual premiada
Podia ser a pandemia, mas a razão pela qual não houve festa ou sequer transmissão televisiva dos Globos de Ouro no último domingo está para além do vírus e das suas variantes. Com a reputação tremida e envolta de um incómodo silêncio mediático, na sequência de notícias sobre práticas discutíveis e problemas de inclusão, a Hollywood Foreign Press Association (HFPA) limitou-se a anunciar os vencedores no Twitter e na sua página da internet. A cerimónia de entrega, que perdeu a estação parceira, a NBC, teve lugar em Beverly Hills, e foi apresentada por trabalhadores de organizações sem fins lucrativos que a associação apoia, mas não contou com a presença de premiados e nomeados. Realizadores e atores boicotaram mesmo quaisquer manifestações de agradecimento.
Isto num ano em que voltou a ser uma mulher a grande protagonista, no caso, da cerimónia fantasma: Jane Campion acumulou os galardões de melhor filme dramático e de realização, depois de no ano passado Chloé Zhao ter alcançado o mesmo feito (tornando-se a primeira asiática distinguida nessa última categoria). Campion, recorde-se, já tinha sido a melhor realizadora no Festival de Veneza por este O Poder do Cão, e assim impõe-se como uma das favoritas para os Óscares.
Na categoria de musical ou comédia, Steven Spielberg mostrou-se um "estreante" com ganas. A sua versão do clássico West Side Story, que é também a primeira incursão do veterano no género musical, saiu vencedora, juntamente com a atriz Rachel Zegler, intérprete da romântica María, e, como era expectável, a secundária Ariana DeBose, que substituiu com excelência a personagem de Rita Moreno no original. A vitória de Zegler, porém, não deixa de ser surpreendente quando ao seu lado estava nomeada Alana Haim, a absoluta revelação (com Cooper Hoffman) de Licorice Pizza, de Paul Thomas Anderson...
Belfast, de Kenneth Branagh, que figurava como um dos mais nomeados, ganhou apenas o prémio de melhor argumento. Já nas restantes interpretações, Nicole Kidman confirmou-se a mulher imbatível da sua geração, ao receber a estatueta de melhor atriz pela sua encarnação de Lucille Ball em Being the Ricardos, de Aaron Sorkin, anulando as hipóteses de Lady Gaga, nomeada por Casa Gucci, ou Kristen Stewart, na pele da princesa Diana em Spencer. Nas categorias masculinas de cinema, Will Smith foi distinguido como melhor ator por King Richard - Para Além do Jogo (sobrepondo-se ao favorito Benedict Cumberbatch), e no musical o escolhido foi Andrew Garfield, por Tick, Tick... Boom!, de Lin-Manuel Miranda. O melhor ator secundário, Kodi Smit-McPhee, só reforçou o triunfo seguro de O Poder do Cão.
Em todo o caso, a maior vitória desta edição dos Golden Globes alcançou-se numa das categorias televisivas. Michaela Jaé Rodriguez, da série dramática Pose (HBO), destacou-se como a primeira mulher transgénero a receber o Globo de melhor atriz. Um momento que merecia outro tipo de celebração, claro, mas que acaba por simbolizar a vontade de mudança no sentido da diversidade e da inclusão - algo que também fica percetível na distinção do veterano Oh Yeong-su, o primeiro sul-coreano a vencer um Globo de melhor ator secundário numa série dramática (falamos do badalado Squid Game).
Sem surpresas, e à terceira temporada, Succession (HBO) validou a sua posição como uma das melhores séries do panorama atual, arrecadando o prémio na categoria principal, para além do melhor ator, Jeremy Strong (muito merecido), e atriz secundária, Sarah Snook. Nas séries de registo cómico, não se esperava é que Hacks roubasse o favoritismo a Ted Lasso (Apple TV+), embora Jason Sudeikis tenha mantido a sua liderança de treinador americano em Londres com o galardão de melhor ator (série de comédia/musical).
Outra jogada imprevista foi a vitória da série limitada The Underground Railroad (Prime Video), de Barry Jenkins. Esta adaptação do romance de Colson Whitehead sobre uma escrava em fuga pela América - por certo uma escolha acertadíssima, tendo em conta a mão firme do realizador - roubou as atenções que se concentravam em Mare of Easttown, ainda que a detetive de Kate Winslet não deixasse escapar o reconhecimento, com o Globo de melhor atriz nessa categoria. Do lado masculino, Michael Keaton distinguiu-se pelo seu papel de médico na minissérie Dopesick (disponível no Disney+).
Na animação, a Disney voltou a ser soberana, com o Globo para Encanto, e a estatueta para melhor filme de língua não inglesa foi atribuído a Conduz o Meu Carro, do japonês Ryûsuke Hamaguchi, título fabuloso (apresentado em antestreia no LEFFEST) que vai chegar este ano às nossas salas de cinema.
O que se segue à estranheza destes Globos de Ouro caídos em desgraça? É difícil tentar adivinhar. O certo é que se fala de uma reforma profunda no interior da Hollywood Foreign Press Association.
Melhor Filme Dramático
- O PODER DO CÃO
Melhor Filme Musical ou Comédia
- WEST SIDE STORY
Melhor realizador/a
- Jane Campion
Melhor Argumento
- BELFAST (Kenneth Branagh)
Melhor Ator em Drama
- Will Smith (KING RICHARD - PARA ALÉM DO JOGO)
Melhor Atriz em Drama
- Nicole Kidman (BEING THE RICARDOS)
Melhor Ator em Musical ou Comédia
- Andrew Garfield (TICK, TICK... BOOM!)
Melhor Atriz em Musical ou Comédia
- Rachel Zegler (WEST SIDE STORY)
Melhor Série Dramática
- SUCCESSION
Melhor Ator em Série Dramática
- Jeremy Strong (SUCCESSION)
Melhor Atriz em Série Dramática
- MJ Rodriguez
Melhor Minissérie
- The Underground Railroad
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