Num documentário que passou recentemente pelas salas, Super/Homem: A História de Christopher Reeve, ouve-se contar como o ator americano foi desaconselhado a aceitar o papel que, no fundo, mudou para sempre a sua carreira... Pensamos nele a propósito de Paul Mescal e do seu protagonismo em Gladiador II: será que o papel de Lucius se presta ao mesmo espectro de eternidade do Maximus de Russell Crowe, no primeiro Gladiador, já para não falar do Super-Homem de Reeve? Tendemos a acreditar que alguém deveria ter aconselhado Mescal a não mudar já de registo. O ator irlandês que se destacou em exemplares retratos intimistas, de Normal People a Desconhecidos, passando por Aftersun (que lhe valeu uma justíssima nomeação para Óscar), surge nesta sequela em grande escala de Ridley Scott como um corpo musculado e funcional para combate, mas desprovido de alma – é ver como as palavras lhe saem da boca numa espécie de desconexão com o “aparelho” físico. E daí, pode conseguir a sua segunda nomeação à estatueta dourada; mas será francamente um insulto ao seu próprio talento..A prestação inócua de Mescal é, ainda assim, apenas um detalhe neste regresso de Scott ao universo do épico que foi um dos maiores sucessos do ano 2000. Quase um quarto de século volvido sobre esse original, a história centra-se agora no dito jovem Lucius, filho do herói Maximus e de Lucilla (Connie Nielsen), que vive exilado na região da Numídia com a esposa, e cujo destino não consegue evitar os ecos daquele que construiu a mitologia do seu pai. Ou assim deu jeito ao argumentista David Scarpa, perito em narrativas atarefadas e nulas, como já o tinham provado as anteriores colaborações com Scott em Todo o Dinheiro do Mundo e Napoleão..Segundo a lógica da grandiloquência de meios, prossegue-se então na medida do uso desses meios: logo a abrir há uma batalha descomunal, com um exército romano liderado por Marcus Acacius (Pedro Pascal), que faz cair a província de Lucius e causa a morte da esposa, plantando o tão necessário desejo de vingança. Isto antes de o protagonista ser feito escravo e entrar no familiar percurso que o levará a tornar-se um gladiador, com vista à sua liberdade e defesa dos ideais honrosos de Roma, que estão longe de fazer parte do modelo de governação dos dois irmãos imperadores, alucinados tiranos, Geta e Caracalla..De sequência de ação em sequência de ação – há uma luta de arena com macacos digitais cuja espécie não é reconhecível neste mundo, outra com um rinoceronte, e ainda outra com tubarões, numa batalha naval encenada dentro do Coliseu... –, a ideia de espetáculo violento em Gladiador II vai-se esgotando numa infantilização do espectador perante a movimentada insipidez visual. Quer dizer, Ridley Scott aposta tudo numa acumulação tosca de combates que visam apenas ilustrar o tema do “entretenimento” que vem desta Roma Antiga, nada acrescentando à jornada do herói, para além do sorriso divertido que provoca em Denzel Washington, na pele de Macrinus, um ex-escravo com pinta de empresário que se distingue por uma arte maquiavélica. É, muito objetivamente, o único ator/personagem que faz música com a sua presença no ecrã, ambientado num filme canastrão do princípio ao fim..Torna-se mais do que legítimo perguntar: para quê uma sequela que, ainda por cima, está tão dependente da veneração do primeiro título? Scott, parece, quis atualizar um modo de fazer, e mostrar cenários (CGI) tão impressionantes quanto banais, para que o épico continue a ter o seu cunho nestes tempos de sede acrítica de espetacularidade.