É um dos escritores com mais leitores em França. Gilles Legardinier é o autor de livros como O Exílio dos Anjos ou Ça Peut Pas Rater e agora chega ao cinema com a adaptação do seu livro, Complètement Cramé, traduzido pela distribuidora para Completamente Passado!, uma história supostamente cómica de um senhor inglês deprimido que abandona a vida empresarial para voltar a França, a uma quinta burguesa onde conheceu a sua mulher. É lá que é tomado por um mordomo estagiário e fica de seguida às ordens de uma senhora nobre algo falida. Entre eles dá-se uma desconfiança mas, sem seguida, nasce uma admiração mútua. O agora realizador explica o que quis com esta adaptação. É justo dizer que quis fazer uma comédia das boas emoções? Espero que sim, esta comédia é o espelho da minha alma. Sou um sentimental idealista!! Quis focar uma luz na gentileza e dar esperança ao lugar da dor. Será que o humor francês é exportável? As comédias francesas parecem ter um público fiel em Portugal… Não sei! Sei que por vezes o nosso humor só é compreendido por nós. Quando fazemos piadas daquilo que é humano penso que se torna universal. Mas quando nos rimos de referências unicamente francesas já não. E esta história é precisamente um conto de choques culturais, nomeadamente pelo facto da personagem de John Malkovich ser inglesa… Sim, mas em cada cultura temos as mesmas questões relacionadas com o medo, a dúvida e a esperança.Mas não está de acordo que a comédia francesa popular segue sempre a mesma fórmula? Sim, é industrial. Esses filmes nem os vejo! Faço comédias mas não me vejo como um herói de resistência, apenas um exemplo de sinceridade. Para mim, escrever para cinema passa pela sinceridade. Na literatura ainda mais, com o cinema, às vezes, com um sucesso, ainda podemos aldrabar o público - com os livros não. O leitor sabe bem quem é o escritor. .O realizador, ao centro, a jogar xadrez com o seu ator de "sonho", John Malkovich..Como reagiam àquele sotaque francês de John Malkovich cada vez que o ouviam no plateau? Pois, o francês dele é falado com um sotaque mesmo muito forte. Era importante para mim que os espectadores que não são franceses percebessem que o seu francês é falado com sotaque. Eu gosto do sotaque dele, gosto de sotaques, em geral. O sotaque dele era como uma vestimenta do guarda-roupa. E devo dizer que trabalhou muito no seu francês, foram mais de dois meses com uma diretora de sotaque que era a minha filha! O John é alguém que trabalha muito. E uma coisa é certa: tinha o desejo que ele falasse sempre em francês. Ao escrever este guião sonhava que fosse John Malkovich a ficar com o papel. Certas frases foram imaginadas com a voz dele. É alguém com uma relação muito forte com a cultura francesa. Ele ama a França, não é por acaso que já encenou cá duas ou três peças e tem uma propriedade ao lado de Aix-en-Provence. Além do mais, a sua mulher é meio francesa. Enfim, passa muito tempo entre nós… Mais do que um prazer, trabalhar com ele é um privilégio. Fazer este filme com ele foi uma felicidade e uma honra. Aceitou fazer este projeto porque sentia-se próxima desta personagem. Lembro-me de inicialmente dizer-me: “este homem poderia ser eu”. Depois deste trabalho tornamo-nos amigos. Mantemo-nos em contacto. Ao convocar a sua família para as filmagens trouxe algo muito humano.Sente-se que tentou tirar partido de um par de cinema: Fanny Ardant-John Malkovich… Sim, há muito carisma com eles! Imagino-os como dois grandes rios que se cruzam. No começo, as cenas deles são pejadas de violência. Violência não física, mas moral. Sonhei muito vê-los juntos. Estar no plateau e vê-los ao vivo a trabalhar era qualquer coisa de impressionante. A premissa deste falso mordomo na casa de uma nobre falida podia dar azo a uma série de televisão? Não sei, não sou um criador de produtos. Muitas vezes na televisão a ficção é aumentada de forma forçada a fim de durar mais episódios. Muito raramente uma história necessita mais do que 4 episódios. Acima de tudo, quis que o espectador se sentisse naquela casa ao lado das personagens.