Vamos aos factos: quando Catarina foi proclamada Imperatriz da Rússia, em 1762, Pedro III não durou mais do que uns dias. A sua morte chegou a ser atribuída a uma cólica violenta, mas a versão que passou à história foi a de um suposto assassinato, que também se especula se terá sido às mãos de soldados, e ainda por sugestão da própria czarina... Relembrar este acontecimento serve apenas para ir ao ponto em que ficou The Great na segunda temporada: ignorando as referidas hipóteses dos livros de História, tínhamos visto Catarina (Elle Fanning) a desferir golpes sucessivos nas costas de Pedro (Nicholas Hoult), para descobrir no mesmo instante que o homem apunhalado era, afinal, Pugachev, o sósia do marido (que ainda por cima não morre)! Pouco depois, um abraço apertado e comovido entre o casal, a manifestar o alívio instantâneo dela, encerrava então as hostilidades, mostrando como nesta série é ténue a linha que separa a fúria de matar da fúria de amar..Dito assim, até parece que estamos a falar de uma cena com gravidade dramática - muito longe disso. O que o showrunner Tony McNamara definiu desde o primeiro momento é que The Great quer ser tudo menos uma série respeitosa. A falta de lógica nas atitudes, a linguagem obscena e tola, a assunção de que os factos são um ponto de referência distante ("uma história ocasionalmente verdadeira") e o estilo de ação mais ou menos aleatória no interior do palácio foram sempre ingredientes apreciados por quem se rendeu aos esforços da imperatriz ingénua-ambiciosa-progressista de Fanning, que chega ao terceiro capítulo com uma envergadura óbvia. E apesar de toda esta infantilidade alegre, havia alguma razão para Catarina querer matar o marido? Ah, lembramo-nos de uma: ele fez sexo com a mãe dela (Gillian Anderson) e matou-a sem querer durante o ato... Talvez seja motivo suficiente. Neste universo, porém, o relativismo reina, e na manhã seguinte Catarina desculpa-se dizendo que a tentativa de homicídio derivou de um "dia mau"; algo perfeitamente aceitável para Pedro..Por outras palavras: estamos em modo de comédia de recasamento, com Pedro a revelar-se um pai atencioso para o bebé que deverá ser o sucessor de Catarina, e com a própria a tentar gerir as ansiedades do matrimónio e os assuntos adultos da governação. Mas esta é também a temporada que traz um humor negro mais acentuado, fazendo desaparecer, logo no primeiro episódio, uma personagem importante, cujo valor afetivo fica reduzido a carne para urso..The Great é assim. Uma série de imagens fortes que geralmente não impactam porque é tudo a brincar, a malta não regula bem e "não se passa nada". Seja como for, desta vez sente-se qualquer coisa. E isso indica o uso de novas cores narrativas, que vão produzir os seus efeitos mais para a frente, garantindo a "bem-vinda" novidade dentro do agradável e insano mais do mesmo. Um pouco como a morte de Logan Roy em Succession....Outro aspeto curioso desta terceira temporada é a dinâmica das personagens secundárias. Se antes elas contribuíam apenas para a fluidez da ação mais insignificante, agora são parte ativa da estrutura de cada episódio, concorrendo, em simultâneo, pela atenção dos soberanos e do espectador. Isto numa altura em que se forma uma ameaça séria no horizonte, de nome Pugachev: esse sósia de Pedro (ambos interpretados por Hoult no topo do seu jogo como ator), que sobrevive às facadas de Catarina, torna-se o seu verdadeiro obstáculo governativo, acendendo as paixões da classe camponesa, claramente sem interesse nenhum pelas ideias de progresso da imperatriz que lhes quer dar liberdade de expressão. A tonta..Em entrevista à Entertainment Weekly, Elle Fanning resumiu bem a evolução da sua protagonista: "A cada temporada, Catarina cresceu, mas não diria que em sentido ascendente - é por isso que adoro interpretá-la, porque é imprevisível. Acho, desde a primeira temporada, que ela é muito idealista e romântica, quase naïve. E essa ingenuidade, que não desapareceu completamente, está a diminuir. De certa maneira, ela está a crescer em sentido descendente, a vacilar um pouco no papel da liderança. E isso acontece porque é moderna demais para a corte. O país não está pronto para implementar os ideais que ela quer pôr em prática, e que são incríveis.".A luta por esses "ideais incríveis" já vem, de facto, das temporadas anteriores, que expõem os esforços inglórios de Catarina a tentar atrair o povo, e em particular as mulheres, para o desejo de educação. Mas a ironia de algumas das cenas sobre o assunto está no facto de não conseguirmos evitar o paralelismo prático com a imagem da Rússia atual, igualmente fechada, alérgica ao conceito de mudança e presa, de "livre vontade", atrás das grades do populismo. É quase impossível não ter pena da solidão cómica da monarca no episódio em que propõe ilegalizar o assassinato, perante a nobreza e o povo, que acham a ideia estúpida... Não há cá espaço para caprichos civilizacionais. Com 10 episódios fresquinhos na HBO Max, The Great está aí para encher a vista - falamos dos décors e figurinos insuperáveis - e massajar o espírito com as suas (anti)lições de História descabeladas. Uma série pródiga em deixar-nos bem-dispostos perante a noção oblíqua de grandeza.