Finalmente, sabe-se a terra onde nasceu o Marquês de Pombal
A verdadeira dimensão do Marquês de Pombal começa hoje a ser revelada com o lançamento do primeiro tomo da Obra Completa Pombalina que faz, finalmente, o levantamento de todo o espólio documental de um dos estadistas que mais marcaram a história nacional. O tomo que agora chega aos leitores é dedicado aos Escritos da Inglaterra (1738-1739), onde foi embaixador, e é coordenado pela investigadora Ana Leal Faria. Entre os novos factos que serão revelados nos cinquenta volumes que compõem a coleção está o local de nascimento de Sebastião José de Carvalho e Melo, que terá de ser corrigido em todas as biografias pois é natural de Sernancelhe e não de Lisboa.
A apresentação deste primeiro volume coincide com o dia em que nasceu, 13 de maio de 1699, e a investigação que desvendou este detalhe biográfico irá fornecer outros milhares de particularidades que a vasta equipa de historiadores, arquivistas, paleógrafos, tradutores, entre outros que formam a equipa que nos últimos cinco anos tem feito este levantamento. Uma equipa com centena e meia de profissionais nacionais e internacionais de várias instituições académicas que se depararam com uma enorme e inesperada profusão de fontes pombalinas em mais de 200 arquivos e bibliotecas e que conta com a coordenação geral dos historiadores José Eduardo Franco, Pedro Calafate e Viriato Soromenho Marques. O que surgiu a nível de documentação obrigou a alargar o âmbito da investigação, já que, após a previsão inicial de cinco mil documentos, esta recolha transformou-se num universo dez vez superior, encontrados em arquivos de vários países onde o Marquês exerceu cargos, bem como do vasto braço do seu poder espalhado por várias partes do planeta e de Portugal.
Ana Leal Faria enquadra neste primeiro volume o período pombalino de Londres e o que levaria o Marquês a promover no futuro “enérgicas ruturas frente a correntes, a políticas, a práticas sociais, a metodologias educativas, a escolas económicas, a modos de administração burocrática e militar”, de forma a levar Portugal ao encontro de uma “Europa civilizada e polida”. Ou seja, a rever-se na “razão e no progresso” que vigorava nos países europeus mais avançados à época. Uma atitude reformista que, sublinha, o levou a intervir em, praticamente, todas as áreas da sociedade na metrópole e nos territórios ultramarinos.
Para os responsáveis, esta investigação irá promover uma reinterpretação histórica a partir de agora devido à sucessiva publicação do Corpus Pombalino: toda a “obra escrita, elaborada ou monitorizada pelo Marquês de Pombal” e colocará “o governante português a par do património de figuras centrais da Idade Moderna como Frederico II da Prússia ou o Cardeal Richelieu, dando-lhe a projeção mundial em falta”.
A ausência deste levantamento tem sido notada por historiadores de renome, como é o caso do britânico Kenneth Maxwell, que já dedicou vários trabalhos a Pombal. Segundo José Eduardo Franco, Maxwell por várias vezes referiu esse vazio e considerou que era um «dever dos historiadores e do próprio país realizar uma busca sistemática deste património junto dos muitos arquivos onde o legado do Marquês de Pombal tem permanecido esquecido”. Para Maxwell, afirma Franco, após o britânico ter publicado o seu trabalho, Pombal, Paradoxo do Iluminismo, ficara ciente de que existia “uma imensa variedade de manuscritos soterrados, esquecidos e desconhecidos do estadista”. Tanto assim que, refere o historiador, Maxwell tinha razão ao prever que a documentação conhecida era muito pouca. Daí que comente a surpresa assim: “Estamos perante uma dimensão de documentos inimaginável, uma quantidade que confirma um «icebergue documental» muito além do que era visível até termos dado início a esta investigação.”
A coordenadora do primeiro volume ressalta no texto introdutório que “os escritos do Marquês de Pombal permitem-nos observar que foi desenhando progressivamente, rodeando-se de uma equipa de qualificados conselheiros, um projeto para Portugal, em que acreditou e quis realmente implantar, enfrentando inimigos e vicissitudes várias. Até então e em 27 anos, nenhum rei e seu governo, preparou, publicou e implantou tanta legislação reformista com um afã de continuidade e sistematicidade.” Daí que conclua: “Há um Portugal antes de Pombal e depois de Pombal.”
O primeiro volume que hoje é apresentado em duas sessões nas câmaras municipais de Lisboa (12.00) e de Oeiras (18.00), duas das instituições mecenas da investigação, é a primeira tentativa bem sucedida para se fazer o levantamento do espólio pombalino após as anteriores que desde o século XIX têm existido sem sucesso. Após os primeiros cinco anos, a equipa de investigação aguarda também pela renovação do mecenato atual e que outras instituições se liguem ao projeto.
Obra Completa Pombalina
Escritos da Inglaterra (1738-1739)
Coordenação de Ana Leal Faria
Imprensa da Universidade de Coimbra
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