"Bebés" do dragão Eragon foram ver o pai
Há muito tempo um jovem de 15 anos escreveu um romance sobre um dragão: Eragon. Os pais tinham uma editora, publicaram o livro do filho, uma grande editora reparou no potencial e quis editá-lo também. Resultado, todos os artigos sobre Christopher Paolini referem que o jovem autor tornou-se um best-seller e teve direito a entrar no Livro de Recordes do Guiness: "Eles abriram uma categoria para mim porque era o mais jovem autor a ter tanto sucesso com um primeiro livro".
Paolini pode fazer esta afirmação sem ligar muito ao assunto, mas o primeiro livro de uma tetralogia passada no reino inventado de Alagaësia deu início a traduções em mais de cinquenta países e com vendas superiores a 35 milhões de exemplares. Paolini não se importa por ter esse rótulo de jovem autor, mas considera que o importante é que "nesta altura as pessoas leiam os meus livros por prazer".
Ao fim de cinco semanas em digressão internacional a promover o seu mais recente livro de contos, O Garfo, a Bruxa e o Dragão Histórias de Alagaësia, Christopher chegou a Lisboa e ontem esteve na livraria Buchholz para um encontro com os fãs. Um espaço infinitamente pequeno para as duas centenas de jovens e muitos 'adult-young' - não só young-adult - que encheram todos os centímetros quadrados existentes.
De aspeto diferente, deixou crescer a barba - "todos os escritores de fantasia acabam por ficar assim mais dia menos dia" -, Paolini entrou em apoteose e sentou-se virado para um público carente de estar frente a frente com um autor que leem há uma quinzena de anos. Alguns ainda eram bebés quando o primeiro volume da série, Eragon, foi publicado. Havia alguns mais entradotes, lá pelos 25/30 anos, mas os restantes fãs que estiveram no encontro andavam pela idade em que o género fantasia é mais apetitoso.
Quinze minutos antes da hora marcada já existiam dragões por todo o lado e uma centena de fãs à espera de Christopher Paolini. A partir daí, só havia lugares de pé no resto da sala, as escadas onde muitos ficavam e a rua onde outros foram obrigados a ficar. Paolini não dececiona ninguém, entra dois minutos antes da hora marcada como uma pop-star e, após uma pequena apresentação por parte da editora, pega no microfone e não se cala. Para delírio dos fãs, claro, ninguém se importou.
Atrás do autor está o novo livro de contos a forrar três metros da parede; ao lado deste, os restantes quatro que lhe criaram a fama e que estão reunidos no Ciclo da Herança: Eragon (2002), Eldest (2006), Brisingr (2008) e Inheritance (2011).
Paolini agradece a todos por estarem com ele e dá um grito. A seguir, diz que gosta muito de Lisboa: "Na minha terra estão 33 graus negativos, portanto estamos bem aqui." Sucedem-se algumas piadas e confissões: "Há 15 anos que os leitores pedem para vir aqui mas os meus agentes nunca me mandaram cá. Desta vez, eu disse quero ir a Portugal!" Palmas.
"Ainda bem que este livro já saiu", continua. "Tive a concorrência de George R.R. Martin (Guerra dos Tronos)", mais sorrisos. Confissão: "Estou a uma semana e meia de terminar um novo livro..." Todos querem saber o que é, mas Paolini não diz logo e prefere falar do livros de contos que veio promover: "Sempre quis regressar a Eragon e, creio, que haverá um quinto livro da série. Como ainda vai levar algum tempo, escrevi estas histórias mais pequenas."
Agradece a ajuda da irmã; diz muitas piadas, que prefere filmes menos bem feitos do que os perfeitos: "Assim, sabe-se porque não funcionaram"; no Twitter "perguntam-me o que as personagens andam a fazer"; "devia fazer uma leitura"...
Minutos depois diz: "As leituras são chatas, por isso vou ler quatro bocados dos quatro livros." Garante que os podia citar de cabeça, mas pergunta se alguém tem o primeiro livro em inglês. Claro que há, esse os restantes três da tetralogia (que era para ser uma trilogia).
Lê a primeira frase de Eragon, uma de Eldest - "inventei uma linguagem" e imita com uma voz cavernosa -, outra de Brisingr e termina com Inheritance e sotaques dos dwarfs: "Tenho sotaques muito bons." Enquanto a representação eragoniana está no seu ponto alto com uma ótima representação dos protagonistas da tetralogia, Paolini confirma que não fez aquelas leituras chatas, preferindo seduzir os já seduzidos, que filmam cada gesto e palavra.
Chega a hora das perguntas e respostas: "Se não tiverem nenhuma, eu invento-as!" Diz o escritor, mas não teve que recear o silêncio ou a timidez, pois os leitores só estão à espera de autorização para avançar. De qualquer modo, Paolini avisa: "Depois, vamos assinar livros." É o objetivo da sua presença, claramente.
A primeira questão do público é: "Tenho uma pergunta desde criança..."
Antes do encontro com os fãs portugueses, Christopher Paolini dá uma entrevista ao DN. Revela que está cansado, pois estas cinco últimas semanas foi de cidade em cidade. Mostra uma imagem da sessão pública em Leipzig, onde o encontro se realizara num pavilhão gigantesco. Não é a Buchholz, mas deve ser o recordista em presenças desta livraria.
Acabou de lanchar. É fácil de adivinhar a ementa com o que diz de imediato: "Em Portugal, só tenho comido pastéis de nata e bebido café". Mesmo com o ruído dos fãs que vem do piso superior, Christopher Paolini não tem dificuldade em se concentrar, apesar de certas frases feitas e com impacto voltarem a ser reproduzidas quando se confronta com as centenas de "adult-young" e young- adult que o esperam.
Eragon foi mais fácil de escrever que os outros três livros da série que vieram após um grande sucesso?
O primeiro foi o mais fácil de escrever porque eu desconhecia o que estava a fazer e não me censurava, apenas queria escrever. Depois, os livros foram ficando mais difíceis de escrever, mesmo que fossem também ficando mais fáceis ao nível da experiência e porque sabia o que estava a fazer. O livro mais fácil de escrever foi o Inheritance.
Fez um plano para o primeiro?
Faço sempre um plano antes de começar a escrever. Antes de dar início ao Eragon planeei a história toda para a tetralogia com muitos detalhes. Posso prová-lo porque no primeiro volume há uma cena onde Eragon está ferido e tem febre, sendo que um dos seus sonhos é a cena final do quarto livro. Se eu me sentar sem saber o que vou escrever, é quase impossível. É como compor uma canção a pensar na atuação em palco. Cada coisa tem o seu tempo.
Como surgiu a ideia de escrever esta série?
Sempre gostei de escrever fantasia - e ainda gosto - e ao ler um livro, Jeremy - o caçador de dragões de Bruce Cofeld, que é um livro para jovens-adultos que conta a história de um homem que encontra um dragão. Nesse momento, comecei a fazer perguntas a mim mesmo: o que aconteceria se um jovem encontrasse um dragão na floresta? De onde vinha? Como era? Ao tentar responder a estas perguntas, fui incapaz de não começar a construir os meus personagens futuros.
Os seus dragões não são assustadores. Porque escolheu um dragão simpático?
Eu sei que a maioria dos dragões do género fantasia são zangados e hostis, daí que tenha querido fazer diferente. No entanto, neste último livro de contos, o dragão é perigoso e muito pouco amigo. Isso foi uma grande mudança, de que gostei.
Estes contos são separados ou têm alguma ligação entre eles?
Era importante que cada história fosse uma própria mas, ao mesmo tempo e de forma indireta, queria que falassem umas com as outras. Para mim, este é um livro sobre as mudanças na vida e o que pagamos pelos nossos erros - mesmo que tenha a ver com dragões.
Gostou da adaptação do livro para o cinema?
Eu dei-lhes toda a ajuda possível, mas o filme reflete a visão dos autores e do estúdio. Contudo, foi bom que o filme tenha sido feito, até porque divulgou o livro a milhões de leitores que o desconheciam. Agora, pode ser que se siga uma série.
Escreveria outro género?
Estou a uma semana e meia de terminar um romance de ficção científica. Com naves, lasers, extraterrestres, explosões e muitos tentáculos. Por isso respondo que sim, que quero publicar livros diferentes.
E os leitores fiéis vão aceitar essa mudança?
Não sei, vamos experimentar. Acho que quem gostou de Eragon irá gostar deste novo livro. Ele reflete as minhas obsessões e quem gosta do que tenho escrito decerto que irá continuar a apreciar.
As suas obsessões também estão nesse novo livro?
Sim, muitas mesmo. O que posso dizer por agora é que o livro começa numa constelação chamada sigma draconis...
O Garfo, a Bruxa e o Dragão
Christopher Paolini
Edições ASA, 296 páginas