Ernest Cole (1940-1990): uma herança de imagens.
Ernest Cole (1940-1990): uma herança de imagens.

'Ernest Cole - Perdido e Achado'. Redescobrindo imagens do Apartheid

Consagrado como melhor documentário do Festival de Cannes de 2024, 'Ernest Cole - Perdido e Achado', de Raoul Peck, evoca a vida e a obra de um notável fotógrafo da África do Sul durante o Apartheid.
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Eis uma dimensão do Festival de Cannes que vale a pena não esquecer: assim, é verdade que o maior certame de cinema do mundo existe como uma montra global dos filmes de ficção, mas não é menos verdade que o género documental sempre foi bem acolhido em todas as suas secções, por vezes chegando à Palma de Ouro (aconteceu, por exemplo, em 2004, com Fahrenheit 9/11, de Michael Moore).

Em Cannes, os documentários têm mesmo um prémio específico desde 2015, ano em que foi criado L’Oeil d’Or. Patrocinado pela SCAM (Sociedade Civil dos Autores Multimédia), com o apoio do INA (Instituto Nacional do Audiovisual), o prémio tem um júri próprio e distingue o melhor documentário apresentado numa de quatro secções do festival (seleção oficial, Cannes Classics, Quinzena dos Cineastas e Semana da Crítica). Chega agora ao mercado português um dos vencedores de 2024, Ernest Cole - Perdido e Achado, realizado pelo cineasta haitiano Raoul Peck — o filme recebeu L’Oeil d’Or, ex-aequo com The Brink of Dreams, uma produção egípcia.

A história do fotógrafo Ernest Cole (1940-1990) apresenta-se como um testemunho humanista e um espelho crítico do regime do Apartheid na África do Sul. As imagens do seu livro de 1967, House of Bondage (à letra: Casa de Escravidão), constituem a matéria vital do documentário, expondo com metódico e perturbante realismo a violência física e moral de um regime que reprimiu os negros através de muitos extremismos — desde a tortura até à divisão, literalmente, do quotidiano em espaços “só para brancos” e “só para negros”.

Recuperando palavras do próprio Cole, incluindo algumas provenientes da sua participação num documentário de 1969 (Bilder för Miljoner, de Rune Hassner), descobrimos os seus métodos de trabalho, apostado em dar conta das brutais desigualdades da sociedade do Apartheid, mas também os sinais de um destino trágico. De facto, depois da sua fuga para os EUA, a vida de Cole não se reduziu ao labor militante de um exilado, já que, como ele explica, longe do seu país, nunca se sentiu capaz de criar verdadeiras raízes noutro contexto.

O título Ernest Cole - Perdido e Achado provém de um achado espetacular. Assim, em 2017, foram descobertos nada mais nada menos que 60 mil negativos de fotografias de Cole num cofre de um banco sueco. Tais imagens vieram enriquecer a herança de um artista realmente invulgar, ao mesmo tempo que a identidade de quem conservou os respetivos negativos continua por esclarecer... À sua maneira, Raoul Peck é um cineasta atento a esses enigmas da história humana, ele que também dirigiu Eu Não Sou o Teu Negro (2016), sobre o escritor James Baldwin.

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