"Em 'Descerrando os Punhos' quis uma sensação de compressão"
A realizadora russa Kira Kovalenko estreia-se em Portugal com Descerrando os Punhos, vencedor em Cannes do melhor filme no Un Certain Regard. A jovem cineasta explica como conseguiu todo um realismo extremo. O filme já aí está nas salas.
Olhar para esta Ossétia, no Cáucaso, dentro deste atual contexto de crise militar do regime de Putin é olhar para uma Rússia de confins. Uma Rússia de pesadelos sociais e morais que aqui é examinada pelos olhos de uma jovem precária desterrada numa existência nula no seio de uma família marcada pela ausência da mãe. É este o cenário de Descerrando os Punhos, o vencedor do Un Certain Regard, competição secundária do Festival de Cannes. O filme que está a colocar no mapa a sua jovem realizadora, Kira Kovalenko, símbolo de uma nova geração de cineastas onde se inclui o companheiro, Kantemir Balagov , ambos discípulos do aclamado Alexandr Sokurov.
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Depois de Cannes, o filme viajou pelos melhores festivais do mundo e foi no Festival de San Sebastián que o DN a apanhou numa manhã de sol. Uma conversa em russo com uma tradutora com tendências de abreviação e na qual a cineasta começou por dizer que aquele meio de mineiros e de dificuldade social é algo que conhece bem. "Tudo começou com uma frase escrita por Faulkner na qual se diz que os mais pequenos conseguem erguer-se perante a escravidão, mas poucos são os que suportam a liberdade. Ao encontrar aquela pequena localidade encontrei também a história que queria filmar. Nesta localidade da Ossétia fica-se com a sensação de estarmos presos numa caixa... E depois há memórias de outras coisas, por exemplo, e a protagonista tem cicatrizes: quis que fossem de uma tentativa de ataque terrorista. Na Ossétia do Norte nos últimos anos assistimos a muitos atos de terrorismo. Não há nenhum local da Rússia com mais casos de terrorismo pois foi lá que as tropas russas pararam antes de entrar na Chechénia", revela.

© "Descerrando os Punhos": estranheza e intimidade.
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Numa altura em que o regime russo censura cada vez mais cineastas e artistas, não deixa de ser reativo o aparecimento de um filme com este caráter de exposição. Dir-se-ia que esta nova geração de cineastas quer ser um espelho de mal-estar social que parece contaminar a alma russa. Kira Kovalenko deseja continuar a fazer parte de uma voz de denúncia e apostar num cinema do real com uma verdade crua. Ainda assim, alerta para um facto: "É preciso não esquecer que o cinema é uma forma de criar outra realidade. O cinema é artificial! Este meu filme não é uma tese sobre a mentalidade russa, este é apenas o meu ponto de vista. Mas mesmo assim tenho muita esperança no futuro da região do Cáucaso e dos seus jovens. Ao mesmo tempo, toda esta situação deixa-me com muito receio, estamos sempre dependentes da questões da conjetura mundial, em especial com o islamismo".
Feito para nos deixar asfixiados e sufocados, Descerrando os Punhos vive muito de um trabalho de câmara claustrofóbico, em especial nas muito frequentes sequências em casa da família da jovem. "Quis uma sensação de compressão nos interiores. A câmara sempre em cima da personagem principal foi uma forma de sugerir que o corpo dela não lhe pertencesse. Todo o aspeto de realismo extremo foi conseguido através de uma grande intensidade de ensaios", confessa. Descerrando os Punhos sufoca mesmo...
dnot@dn.pt
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