Elizabeth Moss a lutar contra todas as relações tóxicas

Em "O Homem Invisível", nova produção do mago Jason Blum, Elizabeth Moss sofre abusos de um homem que não dá a cara (nem o corpo). Um monstro humano que é um reflexo irónico sobre o lado invisível das vítimas femininas nos abusos tóxicos masculinos. Primeira grande surpresa de 2020.

Um filme de terror que fala de temas como o abuso doméstico contra as mulheres e repensa o conceito da vítima feminina. Quando se pensava que a Universal iria continuar a série de remakes clássicos como A Múmia, Frankenstein, etc., eis que acontece um desvio na estratégia. Devido ao fracasso da nova encarnação de A Múmia (com Tom Cruise) a ordem foi dar uma nova volta ao acervo dos velhos clássicos. Sem o peso da encomenda blockbuster e com permissão autoral. O primeiro a chegar sem os procedimentos habituais é este O Homem Invisível, onde o tema proposto por H.G. Wells é apenas um ponto de inspiração, criando-se uma história completamente nova na qual a personagem em foco é uma mulher ameaçada por um marido violento e abusador. Marido esse que depois da fuga da esposa não desiste de a perseguir por intermédio de um sofisticado fato que o torna invisível. Aos poucos, esta mulher é constantemente atacada por ele, fazendo com que amigos e a restante sociedade a trate como uma louca.

A dada altura, é tempo de reagir e passar ao ataque. Nesse ponto, o filme assume uma dimensão de parábola sobre o silêncio das vítimas da violência doméstica. No meio de truques de sustos e jump scares, The Invisible Man é todo ele uma sinfonia de simbologia sobre o abuso masculino nas relações ou, se quisermos, o primeiro grande filme de entretenimento pós - #MeToo a abordar questões de assédio. Ajuda muito que a mulher em questão seja Elizabeth Moss, transbordante de dor e raiva, alguém capaz de convocar uma fragilidade e, ao mesmo tempo, uma força que se torna contagiante.

O que é divertido nisto tudo é que o australiano Leigh Whannell consiga criar um manifesto feminista sem abdicar do mais importante: zelar pelas regras e códigos da melhor herança do espírito dos velhos filmes de monstros da Universal. Este O Homem Invisível sabe assustar, criar calafrios e jogar com coreografias de medo em espaços fechados. O que o cineasta tinha feito no último Insidious é reforçado agora com uma escala mais elegante e à qual é dada um tratamento mais cinematográfico, tratando-se os silêncios e os ritmos com uma espessura rara em Hollywood. Para além de Moss, o filme ganha uma espécie de substância palpável e física de jogo de palco. Aliás, se calhar, não é "para além" - sabe-se que a atriz teve também uma palavra a dizer na questão da credibilização do argumento. São muitos os minutos em que a câmara filma apenas Moss sozinha num plano a olhar para o vazio. Pensamos na sofreguidão de Jeff Golblum em A Mosca, mas também no engenho diabólico de Paul Verhoeven em O Homem Transparente. Mas Whannell persegue ainda o peso de um ensaio sobre o que é estar são ou insano.

Dentro da lógica daquilo que Jason Blum produz, este estará mais próximo de títulos como A Visita, de M. Night Shyamalan ou Foge, de Jordan Peele, isto é, cinema de terror com trago subversivo e um twist de fação indie. Uma crónica sobre o abuso doméstico masculino mas que se transforma em "filme de vingança" feminino à Charles Bronson. Perturba, provoca e baralha. Quem diria que um clássico Universal Movie Monster poderia ser tão sinistro e socialmente relevante.

Classificação: *** (Bom)

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