O que significa para si ser curador desta mostra que agora chega a Europa?É sintomático que esse alerta sobre as mudanças climáticas, que a mostra Água Pantanal Fogo revela de forma potente, seja feito por um país sul-americano que até hoje se ressente dos efeitos da colonização predatória que sofreu e ainda sofre. Boa parte da exploração ilegal que destroem os nossos biomas se deve ao fascínio capitalista desmesurado que os países do primeiro mundo sentem pelo nosso minério, nosso ouro, nossas madeiras, nossas monoculturas do agronegócio não sustentável que matam nossas fontes de água. Então, expor o conteúdo dessa exposição na Europa, com a contundência das obras de Luciano Candisani e Lalo de Almeida, é como se colocássemos um espelho diante do eurocentrismo que rege em boa parte os commodities que estão desequilibrando o planeta. Qual foi ou é o maior desafio desta curadoria?O maior desafio foi encontrar a justa medida entre a pulsão de vida que as imagens de Candisani ensejam com a pulsão de morte e horror que as imagens de Almeida trazem em máxima potência. Minha primeira ideia foi realizar a exposição em dois módulos separados com os trabalhos de ambos não justapostos. Na maturação do projeto, entendi que o embaralhamento de ambos os ensaios fotográficos é que traria o entrechoque necessário para criar o impacto necessário no público. Deu-se então a equação mais afinada para criar o que tenho chamado de exposição manifesto. É impossível não ser tocado emocionalmente nessa colisão que as imagens causam. Precisamos de ações que nos leve a debater os rumos que nosso modo de vida atual está causando ao planeta. A exposição tem essa urgência de convocar as pessoas, iluminar mentes e corações. Não é fatalista. Ainda há tempo de reverter. Mas o planeta tem pressa. Qual foi a primeira sensação quando viu as fotos?Quando finalmente afinei a narrativa do entrechoque entre a maravilha e o horror, me veio a percepção do poder que a fotografia documental pode ainda ter no mundo contemporâneo. A fotografia de autores corajosos e determinados que executam projetos de longo tempo, como nossos dois autores, à revelia das dificuldades financeiras e de acessos, podem nos revelar de forma contundente as idiossincrasias do nosso mundo. Pensar que nos dias de hoje esses fotógrafos raramente conseguem espaços na mídia para publicar seus projetos, nos leva a percepção de que estamos cada vez mais fugindo da nossa realidade histórica que velozmente está sendo substituída por fake news ou imagens de entretenimento das redes sociais que apenas alimentam algoritmos com o intuito de reforçar a cultura da alienação. . Como avalia a passagem da exposição pela Alemanha?Começar na Alemanha foi muito simbólico, pois é um país com longo histórico de ações de proteção ao meio ambiente, mas que recentemente também teve uma ascensão de um grupo de extremistas de direita que são negacionistas em relação às mudanças climáticas. A nossa mostra utiliza o Pantanal como um dramático exemplo do que está acontecendo nesse momento em todos os cinco continentes. Nesse aspecto, o Pantanal é o mundo todo. Incêndios incontroláveis como vimos aqui em Portugal, mas também em Los Angeles, na Austrália e tantos outros lugares. O extermínio de nascentes de água potável, o excesso de calor devido ao desmatamento, não são casos isolados. É uma ação coordenada por um modo de vida que visa exaurir a capacidade do planeta em se reciclar. É um modo de vida suicida que não tem nenhum comprometimento com as gerações dos nossos filhos, netos e assim por diante. [Na Alemanha, de 7 de fevereiro a 6 de abril, a exposição recebeu 15.801 visitantes].Como vê a relação da fotografia com o ativismo ambiental?Não há ativismo ambiental sem imagens e nem sem imaginação. Precisamos das imagens para propagar em grande escala o que está ocorrendo, para comparar com o passado, para que o futuro entenda o que fizemos. E necessitamos de muita imaginação para criar um novo mundo possível, para entender de uma vez por todas que o ser humano é apenas um dos seres viventes entre milhões de espécies e que não temos o direito de sozinhos destruir um planeta que é de todos.Pode deixar uma mensagem de convite para o público visitar a exposição em Lisboa?Vir a essa exposição, trazer crianças e adolescentes, que precisarão saber como lidar com esse legado temeroso que estamos deixando para eles é de fundamental importância. Longe de ser apocalíptica, Água Pantanal Fogo está aqui para ajudar a forjar consciências, gerar debates, repensar o consumo e a coexistência entre todos os seres viventes e não viventes. Queremos estar nas salas de aulas. Que a mostra nesse belíssimo Museu Nacional de História Natural e Ciência inspire os educadores portugueses e do mundo. ServiçoExposição Água Pantanal FogoMuseu Nacional de História Natural e da Ciência - Rua da Escola Politécnica 56, Lisboa.16 de abril a 6 de julho de 2025Bilhetes: entre 2,50€ a 5,00€.amanda.lima@dn.pt.Sessão Duetos especial vai marcar abertura da exposição "Água Pantanal Fogo".Exposição Água Pantanal Fogo chega a Lisboa com crônica visual sobre vida e destruição no bioma brasileiro