Camilla Läckberg e Henrik Fexeus surpreendem como só podem uma contadora de mistérios e um mentalista
Camilla Läckberg e Henrik Fexeus surpreendem como só podem uma contadora de mistérios e um mentalistaD.R.

Dois thrillers bastante convincentes

Um vem dos EUA e o outro da Suécia, respetivamente assinados por David McCloskey e Camilla Läckberg e Henrik Fexeus. 
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Para o gigantesco nicho de leitores de thrillers políticos, o nome de David McCloskey já é uma referência incontornável. Moscovo X é o seu título recentemente publicado em Portugal, depois de Estação Damasco (2022), e, provavelmente, o que acaba de publicar neste início de outubro, O Sétimo Andar, também será traduzido pela editora que o vem fazendo. A explicação é simples: McCloskey domina bem este género literário.

Há quem o compare a John Le Carré, o que já seria suficiente como carta de apresentação, mas depois do fim oficial da Guerra Fria era necessário encontrar novos confrontos entre as potências mundiais e dar aos leitores um aroma de que tudo neste campo continua igual. A União Soviética desmoronou-se mas Putin e o seu regime são um bom oponente para os Estados Unidos, designadamente para a CIA, daí que McCloskey continue a utilizar essa dualidade como cenário para as suas intrigas de espionagem

Desta vez, em Moscovo X, insere na trama as fortunas dos oligarcas, do líder Putin e dos seus acólitos, o que se enquadra perfeitamente no que se lê desde que a Federação Russa decidiu invadir a Ucrânia. Situação que criou na escrita deste thriller um contratempo inesperado pois McCloskey já ia avançado na primeira versão quando se deu a invasão russa, obrigando-a a adaptar-se à realidade. O que acabou por valorizar a história, pois as “aventuras” dos agentes americanos e russos receberam inesperadamente o atrativo da realidade a superar a ficção.

Moscovo X tem outro ingrediente que o torna uma narrativa diferente da que se está habituado, é que em vez das mulheres serem personagens secundárias de um thriller, como todos os seus antecessores fizeram, McCloskey coloca-as como protagonistas. É um trio feminino o que faz avançar e ocupa toda a história: a chefe Procter, a espia norte-americana Hortensia e a russa Anna. O que traz ao livro um outro perfil, ação e modo de agir, sendo que o espírito do género thriller de espionagem não foi adulterado.

O resumo do que faz de Moscovo X uma leitura sôfrega é atual: Uma agente que trabalha num escritório que faz lavagem de dinheiro dos oligarcas russos confronta-se com o pedido da mulher de um gestor da fortuna de Putin e dos seus próximos para fazer o mesmo. A partir desse momento, a CIA entra em ação, de forma a executar um plano que desemboque no eterno anseio dos Estados Unidos: destruir a Rússia, já que não o conseguiu com a União Soviética.

Enquanto se lê este thriller é impossível o leitor não se recordar de muitos episódios da novela russa dos últimos dois anos: a morte sucessiva de oligarcas dissidentes caídos de uma janela, de envenenamentos, de teorias da conspiração sobre a saúde de Putin, da pobreza que afeta os cidadãos russos e de se terem visto privados das marcas que representavam o modo de vida ocidental, bem como do sacrifício de muitos milhares de jovens soldados alistados à força.

MOSCOVO X
David McCloskey
Lua de Papel
525 páginas

Diga-se que David McCloskey já pertenceu aos quadros da CIA, daí que saiba os meandros da ação da agência e o modo de pensar dos seus agentes, o mesmo acontecendo com o inimigo russo. Esse passado é fundamental para convencer o leitor que o thriller Moscovo X não é apenas fruto da imaginação, mas suporta-se em muita informação privilegiada.

O antigo agente da CIA, David McCloskey, escreve sobre a luta entre potências.

Para outro gigantesco nicho de leitores de thrillers policiais, os nomes de Camilla Läckberg e Henrik Fexeus já são uma referência incontornável. Distante dos conflitos bélicos que ocupam os ecrãs de todo o planeta, a dupla volta no seu terceiro thriller, A Sombra, onde a espionagem não tem lugar mas um suspense muito bem elaborado deixa os leitores exasperados até ao fim.

A dupla beneficia-se de um passado literário de grandes sucessos neste género, designadamente Läckberg com mais de trinta milhões de exemplares vendidos em todo o mundo da sua série policial passada em Fjällbacka, e Fexeus com uma popularidade ganha como mentalista no programa televisivo A Arte de Ler Mentes, e vários livros também vendidos aos milhões nas 27 línguas em que já foi traduzido. Era impossível que a “mestre” do livro policial e o “mestre” da interpretação física não resultasse numa perfeita combinação no trio de livros que escreveram a quatro mãos.

A SOMBRA
Camilla Läckberg e Henrik Fexeus
Suma das Letras
590 páginas

Em A Sombra, tal como antes em A Caixa e A Seita, replica-se a dupla de investigadores Mina e Vincent no processo de investigação sobre a morte anunciada de um ministro da Justiça, no entanto, como é hábito nas histórias destes parceiros de escrita, nada é tão simples como parece e a narrativa vai-se alargando por pistas, factos e suspeitos mal se descobre uma pilha de ossos antigos num túnel do metro de um importante financeiro. Como a seguir à descoberta das primeiras ossadas, surge uma segunda, A Sombra vai-se iluminando.

A parceria eleva em muito as capacidades literárias que ambos os escritores já tinham demonstrado no seu percurso. Camilla Läckberg adiantou aquando do anúncio da sua colaboração com Henrik Fexeus que esta era uma colaboração inevitável e que se transformaria num desafio para que cada um se transcendesse. Fexeus não duvidada deste efeito e ansiava por criar livros onde a grande competência e inventividade da parceira resultaria em thrillers extremamente cativantes.

Outras novidades literárias

Memória do que Portugal escreveu

É difícil ficar indiferente a História Global da Literatura Portuguesa que dezenas de estudiosos desvendam em mais de setecentas páginas de letra miúda e poucos espaços em branco de modo a fazer a grande narrativa das letras nacionais desde a “complexidade do texto medieval” até às “inquietações ambientais” que povoam as páginas de autores antigos e contemporâneos. Pelo meio ficam registos de um tempo longínquo de “narratividade de grau zero”, da novidade do “primeiro livro de cavalarias”, do inusitado da “utopia do V Império”, das “vanguardas”, da “decadência e da regeneração”, das “legitimações do romance”, bem como a análise de rupturas excecionais como a da “primavera fulgurante” que representa o ano de 1974 e seguintes, a sétima idade da literatura portuguesa segundo definem os autores desta profunda e dialogante enciclopédia literária. Se a dado momento o leitor se perguntou “qual foi a nossa idade de ouro”, a resposta poderá ser encontrada nestas páginas, entre inúmeras outras.

HISTÓRIA GLOBAL DA LITERATURA PORTUGUESA
Vários autores
Temas e Debates
720 páginas

Um premiado a ler

É raro hoje que um novo autor seja referenciado de forma a não ficar perdido entre a mediania editorial que preenche a maior parte do que está exposto nas livrarias, daí que o Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís permita a Francisco Mota Saraiva e ao seu Aqui onde canto e ardo ser lido. Dividido em oito partes, conta a saga de uma família portuguesa por três continentes com, sentenciou o júri, uma “diversidade imaginária”, e, como diz o autor, com ecos impiedosos de uma “caixinha de vozes”.

AQUI ONDE CANTO E ARDO
Francisco Mota Saraiva
Gradiva
281 páginas

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