Doc's Kingdom - no reino do movimento do cinema
Está a decorrer até amanhã em Arcos de Valdez o Doc's Kingdom, muito mais do que um seminário para pensar o cinema, encontros humanos com filmes lá dentro. Este ano, o mote é O Movimento das Coisas, o milagre de Manuela Serra.
Arcos de Valdez recebe as gentes do cinema, neste caso as gentes do cinema do real. É mais uma edição do seminário Doc's Kingdom, onde há uma programação de filmes e de debates. Feito com poucos meios e com genuína paixão cinéfila pela APORDOC, estes encontros são já um marco teimoso desta rentrée. Este ano, desde o começo do mês até amanhã, todos os caminhos do documental passam por aqui, desta vez com uma programação cuja curadoria se vai fazendo quase ao momento. Esse é um dos fatores de novidade de uma edição sustentada segundo um mote: a celebração de O Movimento das Coisas, filme-milagre de Manuela Serra estreado este ano no circuito comercial após uma vida secreta apenas em festivais e fugazes passagens pela Cinemateca desde 1986.
Além do mote da viagem a Lanheses de Manuela Serra, pelo Minho desfilam conversas e cinema do real no feminino, neste caso de talentos como Sílvia das Fadas, Jeannette Muñoz, Naomi Uman e Jessica Sarah Rinland e um programa de obras inéditas em 16mm. O Doc's Kingdom continua a ser assim um farol da linguagem cinematográfica mais livre e experimental, um espaço de reflexão e de pesquisa por uma forma de cinema que se quer "táctil".
Nuno Noivo, da organização, refere a capacidade do Doc's mostrar filmes ainda em "work in progress" e o resultado de uma residência de artistas do cinema em Arcos de Valdevez: "o espírito é a inspiração. Mais do que a reflexão profunda sobre cada filme, o Doc's Kingdom procura uma ideia de circulação da palavra. Uma pessoa pode ter uma ideia, outra pode seguir essa ideia e uma terceira pode trabalhar a partir daí. Passa por ecos...Aqui o cinema não é entendido como um conjunto de sessões".
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© D.R.
Ao longo dos anos, o local onde o Doc's Kingdom tem variado. Em Arcos de Valdez, Nuno Lisboa fala de uma particularidade de ambiente: "cada edição do seminário é marcada pela terra onde é feito. Em Arcos de Valdevez os elementos naturais têm muita força, em especial aqui a água. Muitas vezes os participantes vão ao rio de manhã, à tarde e à noite. Esse som da água está a ter um efeito muito forte na experiência de grupo". Com entrada livre em todas as conversas e projeções, o Doc's existe também para pensar num certo conceito de ruralidade de cinema. Ao mesmo tempo, é também uma possibilidade de se encarar o ato de criar e pensar o cinema como um exercício de transcendências sem limite. Essa é, aliás, a tal magia partilhada por quem se inscreve nestes encontros. A ideia de se ser uma coisa "fechada" acaba por ser um preconceito. Na sessão de abertura, a sala esteve cheia e há quem a tenha descrito como "catarse coletiva". O filme era o tal mote do festival: O Movimento das Coisas, a obra que deu o nome ao "tema" deste ano. "Este filme permitiu-nos programar o seminário em múltiplas linhas: a relação entre o mundo rural e o mundo urbano, termos um programa apenas com realizadoras e o questionamento da tradição da questão discursiva do documentário", comenta Nuno Lisboa, lembrando que a comunidade internacional que chegou a Arcos de Valdevez viu filmes de vários pontos da Europa, mas com destaque para um foco na América do Sul.

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Até amanhã, como sempre, cada sessão não é anunciada previamente. Neste reino, o cinema e as suas conversas são sempre matéria de surpresa.
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