Estamos num ano em que foi batido o recorde de bilheteira de um filme, Divertida Mente 2, de Kelsey Mann, com 1 milhão e 300 mil bilhetes vendidos. A indústria deveria estar a abrir o champanhe, mas a verdade é que, neste momento, o mercado parece estar em fase de seca. Os alarmes soaram depois da queda brutal, após a primeira semana - mais de 60% -, das receitas de Joker: Loucura a Dois, de Todd Phillips. Quando o mercado precisava de um blockbuster robusto e para equilibrar as contas, um fracasso total, mesmo tendo em conta os quase 100 mil espectadores do primeiro fim de semana.O parque de salas esperava que os números desta sequela fossem ao nível do filme anterior, mas o péssimo boca-a-boca deste objeto feito contra os fãs da cultura pop empenou a coisa. E, de facto, vivemos uma temporada triste no negócio das salas: quase não vingam os chamados filmes do meio, faltam verdadeiros pesos pesados (a decisão da Apple de não deixar estrear Wolfs, com Brad Pitt e George Clooney, também veio piorar tudo) e há estreias a mais que baralham o comum frequentador das salas, que tem dificuldade em encontrar os filmes que deveriam ser mais visíveis.A nível da qualidade dos títulos talvez estejamos agora a pagar a fatura da greve dos guionistas de 2023, e a própria oferta de outros mercados, sobretudo o francês, parece não entusiasmar ninguém. O grande drama desta catástrofe é também a falta de promoção dos filmes - já é raro vermos pelas cidades os cartazes promocionais em outdoors e mesmo na televisão não é tão visível a chegada de um objeto de peso. Um desinvestimento gradual que só ocasionalmente arrebita, como se as massas decidissem ir ao cinema quando se sente um fenómeno: foi daí que surgiu a loucura em torno de Inside Out 2, pois, por exemplo, a animação bem recomendável da DreamWorks, Robot Selvagem, não é propriamente um êxito.Acresce a isso tudo a contínua força dos conteúdos das plataformas , além de que é cada vez mais fácil aceder de forma pirata a um filme já estreado na América nos sites ilegais de streaming. .Culpar a proliferação dos festivais?.No meio de tudo isto, são muitos os que nas grandes cidades se queixam da concorrência dos festivais, muitos deles com bilhetes bem mais baratos. Nesta rentrée, Lisboa teve o MOTELx, um novo festival de cinema árabe, o Queer LX, a Festa do Cinema Francês e agora estão aí o Doclisboa e Tribeca Festival. Uma fartura que em novembro ainda terá o Olhares do Mediterrâneo e o Leffest, de Paulo Branco. Fora dos centros urbanos, fica uma outra dúvida: a moda do cinema ao ar livre pune os exibidores? Claro que, aí, as distribuidoras não se queixam pois têm fees extra. .Um desastre chamado cinema português.Mas o grande, grande elefante na sala chama-se cinema português. Desde final de agosto uma série de títulos têm estreado uns atrás dos outros e os resultados são catastróficos.Filmes como Grand Tour, de Miguel Gomes, Sobreviventes, de José Barahona, Mãos no Fogo, de Margarida Gil, A Pedra Sonha dar Flor, de Rodrigo Areias, Ubu, de Paulo Abreu, O Melhor dos Mundos, de Rita Nunes, entre outros, acabaram por se canibalizar. Uma onda que prova uma rejeição expressa do público ao cinema português.Desses todos, mesmo com o Prémio de Melhor Realização em Cannes e um empurrão substancial da imprensa, Grand Tour é a grande desilusão, estando com sérios problemas para atingir a marca dos 10 mil bilhetes… Uma vergonha tão lamentável como os cerca de 300 espectadores de Mãos no Fogo no seu primeiro fim de semana.Importa realmente perceber como poderá ser possível lançar um filme português. Antes, as más línguas diziam que os cineastas portugueses faziam filmes para os amigos. Agora, obras como o surpreendente Chuva de Verão, de Mantas Moura, parecem querer dizer que nem os amigos foram ver. O exemplo deste filme de grupo de amigos num verão de luto surge porque na sua segunda semana já estava apenas com duas salas. Um fracasso esmagador para uma obra que tinha atores jovens com expansão nas redes sociais e um tema passível de identificação com uma geração.Neste estado de coisas, cada vez mais ganha força a ideia da estreia comercial poder ser feita através de exibições pontuais e com formato de tour, com conversa com os realizadores. É seguramente tempo de as distribuidoras e exibidores programarem com maior grau de curadoria, tal como acontece em cinemas como o Trindade, o Nimas e o Ideal, cujas propostas costumam ter uma média de sala bem acima da maioria dos multiplexes. Mas é claro que há um público cinéfilo que se transferiu para as séries, porque sente falta dos cinemas de bairro, dos cinemas fora do shopping. .Festa urgente.Tal como acontece anualmente, em outubro há um estímulo forte para as pessoas voltarem ao hábito de irem ao cinema. Chama-se Festa do Cinema e é uma organização da APEC, a associação das empresas cinematográficas. Dias 21, 22 e 23 todos os cinemas têm sessões a 3,5 euros. Espera-se um boost forte nas receitas, primordial nesta altura de abandono das salas.Importante sempre lembrar que temos um preço médio por bilhete dos mais baixos na Europa e que é das ofertas culturais que causa menor esforço financeiro.A par desta injeção de esperança, o mercado poderá ter uma boa surpresa com a oferta natalícia da Disney - Mufasa: O Rei Leão, de Barry Jenkins. Em especial se atendermos ao facto de o anterior O Rei Leão, de Jon Favreau, ter feito mais de um 1 milhão de bilhetes, embora esta estrangulação nos filmes de animação ter efeitos colaterais..É altamente revelador um mercado completamente refém dos grandes filmes de Hollywood para levar as criancinhas ao cinema. A fuga à regra poderá ser Gladiador 2, de Ridley Scott, mas aí convém que a Paramount o esconda a sete chaves - depois deste Joker, Hollywood vai ter de proteger a expectativa dos seus lançamentos com todos os cuidados. A internet está bully para os filmes e esta sequela arriscada é um “ou vai ou racha”. .As exceções.Curiosamente, no nosso mercado há duas exceções que dão que pensar e que podem ser uma luz ao fundo do túnel. A primeira é Isto Acaba Aqui, drama de Justin Baldini, filme com críticas crispadas sobre violência doméstica que conquistou pelo tema e chegou a uns impensáveis quase 400 mil espectadores.A outra exceção é Lee: Na Linha da Frente, de Ellen Kuras, neste momento perto dos 40 mil. Há algo nesta biografia da famosa fotógrafa de guerra que terá tocado os portugueses ou, se formos desconfiados, estreou numa semana sem nenhum tubarão…