De Praga a um lugar-surpresa: Terras sem Sombra traz "superpotência" da música ao Alentejo

A República Checa é o país convidado da 16.ª edição dos festival Terras sem Sombra, que vai decorrer até julho com concertos, conferências e visitas guiadas (tudo gratuito e distribuído por todo o Alentejo). Mas antes de tudo isso, os Boinas vão levar o cante alentejano a Praga
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A escolha da República Checa (que se segue a Hungria e os Estados Unidos) como país convidado da 16.ª edição do festival Terras sem Sombra começou a ser preparada há dois anos, conforme explicou o embaixador checo em Portugal, Petr Selepa, nesta terça-feira, na Academia das Ciências de Lisboa, durante a apresentação do programa musical. "O primeiro contacto com o festival foi há dois anos em Mértola [num dos concertos do Terras sem Sombra]. A partir daquele momento, começámos logo a falar, planear e negociar a participação checa neste evento único não só em Portugal como no resto do mundo, porque consegue unir arte, natureza e história" num só festival, sublinhou Petr Selepa, num português perfeito, que fez parte do seu percurso académico precisamente na Universidade de Évora, entre 2000 e 2003.

O embaixador frisou os laços que unem os dois países, membros da "grande família europeia", destacando por exemplo o elevado número de portugueses que escolhem estudar Medicina na República Checa. Do ponto de vista musical, Petr Selepa não tem dúvidas em afirmar que a "República Checa é uma pequena potência mundial da música e a sua participação neste festival vai apagar a distância linguística e geográfica entre os dois países".

O historiador de arte José António Falcão, diretor-geral do festival, vai mais longe na avaliação que faz do papel da República Checa no atual panorama da música clássica e erudita: "É uma superpotência. Por isso, será um privilégio trabalhar com este país, sobretudo porque vamos receber algumas das principais referências musicais de hoje a nível global."

Antes de os concertos chegarem ao Alentejo, o primeiro momento do festival decorre precisamente em Praga, capital da República Checa, onde nesta quinta-feira o grupo coral Os Boinas, de Ferreira do Alentejo, vai atuar no Convento de Santa Inês da Boémia. Mais uma montra para o cante alentejano, que se insere também na estratégia de internacionalização deste género musical - classificado pela UNESCO em 2014 como Património Mundial da Humanidade - preconizada pela organização do Terras sem Sombra.

"A classificação do cante foi essencial para a preservação do próprio cante, dessa tradição artística que não estava esquecida mas precisava de se atualizar e de chegar mais longe. Foi também muito importante para o Alentejo no seu todo. Da nossa parte sentimos que a classificação foi apenas o primeiro degrau que subimos como região. Torna-se agora necessário que chegue às pessoas, a uma escala global. É nisso que temos estado muito empenhados, em levar o cante, através de diversos grupos e intérpretes, a vários palcos de referência como o Kennedy Center, em Washington, a Academia Liszt, em Budapeste, e agora o Convento de Santa Inês da Boémia, em Praga [cujo interesse histórico para a República Checa compara com o do Mosteiro dos Jerónimos em relação ao Portugal]. Foi extraordinário verificar que em Washington, através do streaming, conseguimos ter público a assistir em vários pontos do mundo, como na Malásia ou na Indonésia e de forma maciça na costa leste dos Estados Unidos. É esta internacionalização do cante que procuramos, pois a classificação como património mundial foi apenas o primeiro de muitos passos que temos de dar", diz José António Falcão, ao DN.

Depois desta escala em Praga, seguem-se os concertos e as atividades em terras alentejanas. Ao todo, o festival vai passar por 13 concelhos da região. Já no dia 18 de janeiro, a Igreja Matriz de São Cucufate, em Vila de Frades (Vidigueira), recebe o Tiburtina Ensemble, conjunto feminino checo especializado em canto gregoriano e polifonia medieval.

O festival segue depois para Barrancos (1 de fevereiro), Mértola (15 de fevereiro), Arraiolos (29 de fevereiro), Viana do Alentejo (21 de março), Beja (4 de abril), Ferreira do Alentejo (18 de abril, com concerto de Andión Fernández e Alberto Urroz no lagar da Herdade de Marmelo, em Figueira dos Cavaleiros), Castelo de Vide (2 de maio), Sines (16 de maio), Alter do Chão (30 de maio), Santiago do Cacém (27 de junho) e, a fechar, Vila Nova de Milfontes (Odemira), a 11 de julho, onde atua o ensemble checo Musica Florea. Pelo meio há ainda um concerto-surpresa: a única certeza é que será a 13 de junho, mês "dos populares e que culmina no solstício de verão", estando por enquanto em segredo o local e o artista convidado.

Do cartaz do festival (que além de checos e portugueses também traz músicos espanhóis e belgas) fazem ainda parte nomes como o violoncelista Pedro Bonet, o contratenor José Hernández Pastor, a flautista Monika Streitová e a pianista Ana Telles, o ensemble La Ritirata, o Kállai String Quartet, o grupo vocal Utopia Ensemble, o Clarinet Factory, o Smetana Trio e o ensemble português Cupertinos, que se dedica quase em exclusivo à música portuguesa dos séculos XVI e XVII.

Património e biodiversidade

Mas o Terras sem Sombra é muito mais do que música. O festival, organizado pela associação Pedra Angular, com múltiplas parcerias, que recebeu um apoio da Direção-Geral das Artes de 137,5 mil euros para 2020 e 2021 no âmbito do programa de apoio sustentado bienal, na área da programação, tem também uma forte componente ligada à divulgação do património alentejano e abraçou há muito tempo a causa da promoção da biodiversidade.

Assim, entre várias outras iniciativas (todas gratuitas), será possível visitar lugares com os sítios arqueológicos de São Cucufate e Miróbriga, o castelo de Beja, assistir ao fabrico de chocalhos em Alcáçovas e de cestos de vime em Ferreira do Alentejo, bem como participar em ações de salvaguarda dos laranjais da Vidigueira e de promoção de agricultura sustentável em Mértola.

Uma das novidades desta 16.ª edição é o Kids Terras sem Sombra, que com um conjunto de iniciativas próprias pretende "trazer mais crianças, mais famílias e mais pessoas ao Alentejo", criando novos públicos para o festival que sejam também mais conscientes da importância da biodiversidade, como explicou Sara Fonseca, diretora executiva do festival, que mostrou a ovelha de lã que será a mascote da iniciativa.

O Terras sem Sombra está assim prestes a arrancar, sempre com o Alentejo em pano de fundo e com um objetivo simples, traçado por José António Falcão: "Temos todos um grande orgulho no nosso Alentejo e sentimos que uma das nossas maiores riquezas é a capacidade de promover o encontro e o conhecimento mútuo, através do diálogo numa dinâmica de convívio. Queremos que os nossos visitantes sejam felizes, assim como nós alentejanos somos felizes."

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